“Cada rio é um. Que rio é esse? Qual é o nosso rio?”, indagou a professora aposentada Odomaria Bandeira olhando para o Rio São Francisco, ao tempo em que instigava estudantes a pensarem sobre a importância do rio para a vida de seu povo. Para ela, nos municípios ribeirinhos, as experiências de lazer, religião, trabalho, etc, em sua maioria, tem relação com o rio.
Já o sociólogo e artista Roberto Malvezzi (Gogó), questionou àqueles/as jovens estudantes do ensino médio sobre o que precisariam fazer para alcançarem a formação nas profissões almejadas. Após responderem citando ações como estudar muito, ter disciplina, etc, ele provocou: “vocês não vão precisar beber água, se alimentar?” Ele lembra que, mesmo sendo algo visto como óbvio, num futuro próximo isso pode não ser possível com facilidade, considerando a grave situação de degradação do Rio São Francisco.
Odomaria e Gogó fizeram parte da mesa “O Rio e suas vertentes culturais”, que contou com a mediação do professor Josemar Martins (Pinzoh). A conversa aconteceu no “Dia Nacional em Defesa do Rio São Francisco”, 03 de junho, data instituída pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF.
Pinzoh alertou sobre a importância de não deixar o Velho Chico ficar só na memória das próximas gerações, lembrando que afluentes do São Francisco que deveriam abastecer a Bacia maior hoje recebem água da mesma, a exemplo do Rio São Salitre. Certamente, 100 anos atrás a população do Vale do Salitre não imaginava que isso pudesse acontecer, da mesma forma que a maior parte das pessoas hoje no Vale do São Francisco também não para pra pensar sobre isso.
Para ativar memórias e provocar reflexões junto ao público, a música e a literatura foram instrumentos que proporcionaram uma aula diferente aos estudantes do Colégio estadual Modelo, que se deslocaram até a orla da cidade naquela tarde. A atividade fez parte da programação do Projeto Bule Cultural, que aconteceu em Juazeiro (BA) entre os dias 02 e 05 de junho.
Maviael Melo, um dos organizadores do Bule Cultural, explicou que o projeto contempla a arte, as questões ambientais e economia solidária e tem também a intenção de envolver estudantes, tanto levando oficinas para dentro das escolas quanto trazendo estudantes para atividades nos locais onde o evento acontecia. “Por que a gente ter essa preocupação de tirá-los da sala de aula e trazer? Porque é o convívio com o novo, o convívio com o despertar da arte, um olhar fora da escola”, pontua Maviael. Isso foi feito em algumas mesas e palestras da programação, envolvendo estudantes como Lívia Mel Nunes, que se sentiu à vontade para declamar uns versos feito enquanto assistia a palestra, afirmando ter sido “momento encantado, momento revolucionário pra meu ser; obrigada aos que viram e ouviram o desabafo infinito da alegria do sonho de uma poetisa que acaba de nascer”, finalizou a jovem recebendo aplausos do público.
“Trazer o tema do Rio São Francisco para dentro do projeto cultural é porque o rio tem uma cultura musical, uma cultura secular, desde o samba de véio da Ilha do Massangano ou do Rodeadouro, as rodas de São Gonçalo, os cantos ribeirinhos dos barqueiros (…). Como é que a gente mora numa região do rio e a gente não tem a cultura dele discutida em projetos assim?”, dispara Maviael, que é músico, poeta, compositor e produtor cultural.
As/os jovens puderam ouvir relatos de Odomaria, que, quando criança, junto com seus/suas irmãos e irmãs, todos os dias se deslocava até a beira do rio para ver a movimentação de barcos, cena que hoje não existe mais. “Eram muitos barcos chegando e partindo, velas alçando (…), a gente via todos os dias aquela paisagem”, conta ela rememorando esses episódios como passeios diários da sua infância.
A mudança da paisagem, a chegada da chamada orla, por exemplo, que geralmente é construída desrespeitando a distância mínima do rio e retira parte da mata ciliar, revela parte das agressões que o rio sofre. Para além da mudança de paisagem no seu trajeto dentro das cidades, o São Francisco é atingido bruscamente por projetos de irrigação, mineração, geração de energia, psicultura, lançamento de esgotos domésticos e industriais sem tratamento, lixo, assoreamento, etc. Isso tem causado a morte anunciada do rio, conforme anunciaram especialistas no livro “Flora das caatingas do Rio São Francisco: história natural e conservação”, lançado em 2012.
E qual o papel da educação formal nisso? Como a escola pode contribuir para que conteúdos como estes possam ser tratados a partir das disciplinas e atividades extra curriculares? A educadora e coordenadora do Eixo Educação e Comunicação do Irpaa, Aldenisse Souza, menciona que “a escola tem um importante papel na discussão, na reflexão, no despertar de olhares (…). Que Rio São Francisco nós temos; quais as ameaças que ele tem; quais as vidas que ele traz; que bioma que nós temos; que meio ambiente nós temos, nós queremos e precisamos nos comprometer... isso é base da educação”. Ela explica que desde disciplinas, aulas, intercâmbios, comportamentos, ou seja, tudo que perpassa à escola, precisa se comprometer com essa formação de sujeitos que defendam o meio ambiente e a vida.
Na opinião do professor Aparecido de Souza, que ministra as disciplinas de língua portuguesa e arte, a participação na atividade “foi uma forma de levar aos alunos essa consciência de valorizar aquilo que realmente pertence a eles, que é nosso rio São Francisco, afinal de contas, todos são ribeirinhos e isso faz com que desperte neles esse desejo de preservar, de lutar contra a destruição do rio que é nossa vida”.
Tem sido recorrente projetos que ameaçam a liberdade de pensamento em escolas públicas e privadas em todo país, inclusive ancorados na discussão e proposição de leis polêmicas na Câmara Federal, a exemplo do debate acerca da chamada “Ideologia de Gênero”. No entanto, as questões sócio-ambientais ainda tem lugar pouco significativo nas pautas que envolvem o Ministério da Educação, ainda que sejam temas prioritários para órgãos como a Organização das Nações Unidas (ONU), dentre outras.