As mulheres necessitam da renda com urgência, mas a dificuldade de acesso a um aparelho de celular com sistema de operação de aplicativos, internet e conhecimento digital retardam o acesso ao recurso


A vulnerabilidade econômica, alimentar e hídrica das mulheres do Semiárido se agravou com a pandemia. A impossibilidade de vender os alimentos nas feiras livres por causa do isolamento social, por exemplo, reduziu uma renda que já vinha abalada pelo esvaziamento de políticas sociais importantes, como o Programa Nacional de Merenda Escolar (PNAE), segundo reforça uma das coordenadoras do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), Aline Carneiro. As mulheres têm urgência no auxílio emergencial para botar água e comida em casa.

Nesta quinta-feira, 1 de abril, será divulgada a lista dos elegíveis para a segunda rodada do benefício, previsto na PEC 186, a PEC Emergencial, a ser pago em quatro parcelas com valores que vão de R$ 150 a R$ 350. Para muitas mulheres, ver o nome na lista não é sinal de tranquilidade de que terão acesso ao valor, que como disse a agricultora familiar de Caetés, no agreste de Pernambuco, Maria Lenice, “ seiscentos reais é bem melhor, mas se viver menos, já ajuda”. Somente após cumprirem as etapas de acesso que têm barreiras tais como conhecimento digital para lidar com o grau de complexidade do aplicativo, elas conseguem acessar a renda financeira.

Considerando que as regras para o acesso ao benefício da segunda rodada serão as mesmas, exceto pela isenção da necessidade de realizar o cadastro, muitas mulheres calejadas por experiências anteriores difíceis, se preocupam com o futuro. Neste momento, por exemplo, é necessário ter um celular com acesso à internet e capacidade de operacionalizar aplicativos para atualizar os dados do Caixa Tem, aplicativo onde é feita a consulta e sobre a disponibilidade das parcelas, que mesmo não sendo obrigatório, está sendo recomendado como forma de segurança das pessoas a serem beneficiadas.

Além disso, para consultar o nome no site do Dataprev, é necessário ter celular ou computador com acesso a internet. Segundo dados de 2018 da Pesquisa por Amostra de Domicílio, a Pnad Contínua, 45,9 milhões de pessoas no Brasil ainda não têm acesso à internet, ou seja, não possuem essa condição básica para cumprirem essas etapas.

Para muitas mulheres, vencer estas etapas de acesso ao auxílio emergencial se torna uma corrida de salto com barreiras tendo o tempo da necessidade como inimigos, segundo a psicóloga e pesquisadora do Instituto Anis, Luciana Brito.Ela enfatiza que muitas das mulheres beneficiadas não têm acesso à cartão de crédito e mesmo se tivesse, normalmente os locais nos quais elas compram, ou seja, a vendinha da esquina ou na feira do bairro, esta forma de pagamento não é aceita. Além disso, a pesquisadora pontua a dificuldade de acesso ao recurso, disponibilizado na conta digital, que só poderia ser acessada através do aplicativo e com a autorização de saque vinculada à data de aniversário. “ Então, muitas vezes, as pessoas estavam em julho [2020] e só conseguiram sacar em novembro, imagina? A gente tá falando de uma renda e - mer - gen - ci - al! ”, analisa Luciana.

Não há tempo para esperar_ A situação relatada por Luciana refere-se à dificuldade de sacar o recurso, disponibilizado em uma conta digital com a data do saque vinculada à data de aniversário da beneficiária. O acesso antecipado a este recurso só era permitido por meio da compra com cartão de crédito ou débito ou através de depósito via boleto, gerado no próprio aplicativo. De acordo com pesquisa divulgada no programa A Casa é sua, da Plataforma Reforma Política, 53% do valor do auxílio emergencial foi gasto com a compra de comida e 25% para pagar contas domésticas. Por isso, para muitas mulheres, é necessário ter o valor do benefício em espécie para administrar a compra de alimentos e as demais necessidades.

Barreiras de acesso começam no cadastro _ O Instituto Anis realizou o estudo Renda Emergencial Relatos de Mulheres em Tempos de Covid-19, reunindo histórias de mulheres que foram impactadas pela epidemia da Zika e, agora, enfrentam a pandemia da Covid-19. No documento, as mulheres relatam uma série de barreiras que dificultam o seu acesso à renda em uma situação de extrema vulnerabilidade. Para a influenciadora digital na área de agricultura familiar do município de Casa Nova, no estado da Bahia, Joely Ribeiro, as dificuldades para acessar a renda emergencial começaram bem antes, já no período de cadastro.

“Eu tentei fazer o meu cadastro usando o celular do meu marido, mas o aplicativo informou que o meu CPF não era compatível com o aparelho que estava em nome de outra pessoa. Eu comprei um aparelho e tentei me cadastrar novamente, mas não consegui, pois o aplicativo informava que eu já estava cadastrada. Finalmente consegui fazer o cadastro com a ajuda de profissionais da Caixa Econômica, indo pessoalmente à agência”, explica Joely.

As mulheres mais vulneráveis sofreram mais para ter acesso ao benefício na primeira rodada, reforça a pesquisadora Luciana Brito. “A gente ouviu mulheres que já tinham sofrido com o legado da Zika e elas contam que não foi fácil conseguir a renda emergencial, especialmente as mulheres mais vulneráveis. Porque o processo era todo eletrônico, né. [...] Então, você imagina uma mulher em uma situação de extrema vulnerabilidade, que não tem uma alfabetização formal, que, muitas vezes, não têm acesso à internet, não tem um cartão de crédito. As compras tinham que ser feitas com o auxílio emergencial. Por exemplo, você tinha que entrar no aplicativo na fila do supermercado meia hora antes [...] para pedir autorização, para liberar o código, dá o número do código,” relata Luciana.

Corrida contra o tempo para sacar o benefício _ A luta de Joely para ter acesso ao auxílio emergencial não ficou apenas na dificuldade em realizar o cadastro. Mãe do garotinho Miguel, de cinco anos, a jovem tentou cadastrar o nome da criança, mas não conseguiu. “A plataforma não habilitou a opção de inserir o nome do meu filho, me cadastrei sem informar o nome dele.” Realizado o cadastro, Joely teve que buscar uma solução para acessar o recurso, pagos em duas parcelas no valor de R$ 600, liberadas em setembro e as demais, no valor de R$ 300, liberadas nos meses de novembro e dezembro. Joely precisava do dinheiro em espécie para complementar a renda usada para fazer a feira, pagar a conta de luz e ajudar no aluguel.

“Fui três vezes à Caixa Econômica para tentar pegar a senha da minha conta digital, mas não consegui. Me passaram um QR code para acessar a senha, mas quando fiz a leitura, não consegui ver a senha, porque dizia que a conta já estava aberta. Enfrentei muita dificuldade, demorou bastante para eu fazer o saque. Eu não conseguia transferir o recurso. Eu só consegui depois que me juntei com um grupo de três pessoas que estavam na mesma situação. Fizemos um acordo com uma pessoa para gerar um boleto no valor dos 3 benefícios. Nós fazíamos o pagamento do boleto, e quando o dinheiro caía na conta, a pessoa repassava o valor para a gente”, relembra Joely.

Como facilitar o acesso das mulheres ao benefício?_ A pesquisadora do Instituto Anis, Luciana Brito, afirma que é importante democratizar os canais de acesso à informação para que as mulheres possam tirar dúvidas sobre o processo, evitando as confusões ocorridas na primeira rodada. “Essas informações sobre cadastro e calendário de recebimento na primeira etapa foram muito confusas, as mulheres ficaram com muitas dificuldades para entender quando elas começariam a responder. Então, isso tem que estar muito bem informado em canais, seja nas redes sociais, mas também em canais de propaganda, no rádio”, pontua.

Já em relação ao pagamento do benefício, a pesquisadora considera importante disponibilizar o valor em espécie para evitar que as mulheres se dirijam à Caixa Econômica e façam aglomerações neste momento delicado da pandemia. “É importante que este valor seja oferecido em dinheiro em espécie para que as mulheres, especialmente as que estão em regiões menores, consigam comprar o que precisam.[...] é importante pensar que o dinheiro em espécie seja algo que tenha caráter imediato e que seja mais simples das mulheres acessarem, né![...] é bom a disponibilização de um cartão para saque.”

As regras da segunda rodada _ As regras para o pagamento do auxílio emergencial 2021 estão previstas na Medida Provisória 1039/2021, publicada no dia 18 de março e regulamentada pelo Decreto 10.661, publicado no dia 26 de março de 2021. De acordo com o texto, o benefício será pago em quatro parcelas, sendo o valor de R$ 150 destinado às famílias com apenas uma pessoa, R$ 250 é o valor a ser pago às famílias com mais de um integrante e, por fim, o valor de R$ 350 reais para as mulheres provedoras de família.

Diferente da rodada anterior, agora, deverá ser beneficiadas apenas uma pessoa por casa, que tenha renda per capita de até R$ 550. A nova rodada do auxílio emergencial deve beneficiar cerca de 45 milhões de pessoas, ou seja, 23 milhões a menos do que na primeira rodada. O orçamento destinado a esta rodada é de R$ 44 bilhões de reais e as parcelas pagas representam, em média, 20% do salário mínimo atual, que é de R$ 1.100 reais, segundo cálculos do Instituto Nacional de Estudos Econômicos (Inesc).

O início do pagamento das parcelas está previsto para o próximo dia 16 de abril. Beneficiárias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) e que não recebem o Bolsa Família e aquelas cadastradas no site ou aplicativo da Caixa deverão seguir um calendário específico.

Quem está apta a receber?_Para ter acesso ao benefício, é preciso se enquadrar em alguns dos seguintes critérios: ser trabalhadora informal, microempreendedora, desempregada com renda familiar de até três salários mínimos. No caso das beneficiárias do Bolsa Família, receberão o benefício aquelas que fizerem a opção, caso achem mais vantajoso.

Dados comparativos das duas rodadas do auxílio emergencial - Fonte: Poder 360

O fim do auxílio de R$ 600 não é definitivo_ Foi apresentado ao Congresso Nacional a proposta de Emenda na Comissão EMC 77/2021 à MP 1039 solicitando o aumento do valor do auxílio emergencial de R$ 250 para R$ 600. A proposta é de autoria do deputado Federal Túlio Gadelha (PDT). O deputado, segundo matéria publicada no Diário de Pernambuco no dia 22 de março, justificou o seu pleito afirmando que “ o valor oferecido pelo atual presidente não cobre as despesas básicas, que foram agravadas pela pandemia.”

O pedido ganhou coro com a reivindicação de 16 governadores brasileiros, que por meio de uma carta divulgada no dia 24 de março, solicitaram ao presidente da Câmara dos Deputados, Arhtur Lira (PP ) e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), a retomada do valor de R$ 600 e as regras da primeira rodada do auxílio emergencial.

Em um trecho da carta enviada ao Congresso e ao Senado, os governadores enfatizam que o cenário atual conta com 300 mil mortes, recordes de mortes diárias, falta de leitos e de medicamentos. O documento afirma que “agir contra este cenário requer medidas sanitárias e uma renda emergencial… por isso solicitamos ao Congresso Nacional que disponibilize os recursos necessários para o auxílio emergencial em níveis que superem os valores notificados R$ 150, R$ 250 e R $375."

Governadores dos estados do Semiárido que assinaram a carta:

Bahia
Sergipe
Pernambuco
Paraiba
Rio Grande do Norte
Ceará
Piauí
Maranhão