Há dois anos, Joelma da Silva Pereira, pequena produtora rural do município de Cumaru, localizado no Agreste Setentrional de Pernambuco, a 120 quilômetros do Recife, tinha duas ovelhas, menos de duas dezenas de galinhas, quase nenhum excedente de ovos e muita dificuldade em ganhar dinheiro. Em 2011, um ano depois de ingressar no programa do Fundo Rotativo Solidário (FRS), espécie de poupança comunitária gerida coletivamente, ela, o marido e três filhos viram a vida mudar.

Na mesa de Joelma, carne era artigo de luxo. Os ovos do galinheiro praticamente só davam para o consumo da família. Quando havia excedentes, conseguia vender para os vizinhos um montante de duas a três dúzias. As refeições eram complementadas com poucas espécies alimentícias que plantava.

Hoje, a cumaruense tem galinha na mesa pelo menos três vezes na semana e vende cerca de 360 ovos por mês na feira do município. A produção de ovelhas cresceu tanto que ela chegou a vender oito crias no ano passado e a colocar na mesa de casa pelo menos um carneiro a cada dois meses. Tudo isso sem receber nenhum tipo de ajuda assistencialista.

“Em vez de duas colméias, tenho 18; em vez de uma vaca e dois bezerros, tenho 12 cabeças de gado. E comecei a vender, também na feira de Cumaru, cerca de 200 mudas por mês”, conta Joelma. “Depois que entrei no fundo e aumentei a minha criação de ovelhas, galinhas e a produção de ovos, também aumentei a minha renda e, consequentemente, as demais produções”. Conta que sempre fez tudo para sobreviver. Planta mudas de espécies nativas (essas para preservar o solo) e alimentícias (nesse caso para consumo próprio), trabalha com apicultura e cria uma vaca e dois bezerros.

Joelma e família são parte de uma economia cada vez mais próspera, voltada para o desenvolvimento sustentável, na qual há novos padrões e fórmulas de produção e consumo. O tema, do qual esses pernambucanos já se apoderaram na prática, é tão atual que foi incluído entre os dez mais importantes do painel de debates da Rio+20. Desses debates, saíram as recomendações levadas aos chefes de Estado e do Governo presentes da Cúpula da Conferência, no Rio de Janeiro neste mês.

Em Cumaru, os recursos do Fundo Rotativo - coordenado pela ONG Centro Sabiá e apoiado financeiramente pela fundação norte-americana Heifer - são animais: por enquanto ovelhas, cabras e galinhas. Trinta produtores de três comunidades integram o projeto. “Eu e seu Luís (Eleutério de Souza, também produtor de Cumaru) formamos a comissão que cadastra e acompanha as famílias no FRS. São cadastrados produtores cuja situação econômica e financeira seja difícil”, informa Joelma.

Um telhadão contra a seca

O Fundo Rotativo Solidário é um projeto que envolve processos coletivos de organizações produtivas visando a criar oportunidades de inclusão social e fortalecimento da Economia Popular e Solidária. Chama-se fundo porque reúne recurso (não necessariamente financeiro) e rotativo porque esse recurso gira na comunidade. É solidário porque famílias beneficiadas terminam ajudando outras com o fruto de sua produção.

No cadastro, o produtor informa que tipo de animal quer criar. Se for galinha, ele ganha dez unidades e tem um ano para devolver a mesma quantidade ao fundo, para que mais uma família possa ser beneficiada. Se for ovelhas ou cabras, ganha duas e, com a visita de um macho - que serve a dez propriedades, terá que devolver ao fundo dois frutos de sua criação em um ano e meio.

O Fundo Rotativo Solidário deu novo ânimo a Luís Eleutério de Souza, integrante da comissão que acompanha as famílias cadastradas. Ele foi o primeiro a receber da fundação norte-americana Heifer uma cisterna telhadão com capacidade para 52 mil litros de água da chuva.

Seu Luís tinha recebido, em 2008, duas cabras do fundo, mas até o ano passado só havia conseguido aumentar o rebanho para 10. A seca, que já atinge mais de 700 municípios do Nordeste, ameaçava prejudicar os planos dele. Precisava de água para garantir a produção de alimentos e a criação de animais. Pediu ajuda à Ong e ganhou a cisterna.

Na cisterna telhadão a água é captada através de um grande telhado que é construído ao lado da cisterna. A estrutura do telhado ainda pode ser utilizada como o produtor achar melhor, a exemplo do armazenamento de sementes.

A fundação quer estimular a utilização desse tipo de tecnologia pelos produtores e garantir o crescimento dos rebanhos.

Lucro extra: a solidariedade

O Fundo Rotativo Solidário não injetou só renda e comida no dia a dia da comunidade de Cumaru. O aposentado João Alves de Oliveira sabe bem disso. Mais recente produtor da cidade a receber duas cabras do fundo, o que aconteceu há seis meses, ele diz que a atividade, apesar de ainda não ter resultado em renda para a sua família, é atualmente o que o deixa vivo.

“Comecei a criar com idade de sete anos, com meu pai. Mas, por falta de condições, há alguns anos vendi o que tinha. Tenho pressão alta e problemas nos rins, mas descobri que, se eu paro a luta, eu pioro. Se eu não tiver a criação, eu aleijo”. As duas cabras que seu João ganhou do fundo ele juntou a outras três que comprou. Com a reprodução feita pelo bode que visita as dez propriedades da comunidade, ele já conseguiu aumentar seu rebanho para 12. As cinco fêmeas estão “prenhas”.

Apesar de, pelo fundo, ele ter ainda um ano para devolver duas cabras descendentes das que ele recebeu do projeto, como pagamento da dívida, seu João está preocupado. “Todas as crias que tive até agora foram macho. Preciso ter as duas fêmeas pra devolver ao fundo. As buchudas devem me dar mais umas dez cabeças em até 3 meses, mas se nenhuma nascer fêmea, vou vender pra comprar o que devo e pagar a minha dívida, porque todo mundo tem direito”, questiona, numa demonstração de que entendeu a mensagem de solidariedade do projeto.