Rio de Janeiro. "Liberdade". Com essa palavra a cisterneira Lindinalva Martins, de Mossoró (RN), resume o que mudou na vida da sua família e de cem outras que agora têm uma cisterna a garantir água de qualidade para necessidades básicas e, em alguns casos, para ajudar na segurança alimentar e geração de renda, por suas mãos.

A mais recente delas ficou pronta ontem e fica na comunidade Sérgio Silva, bairro Engenho da Rainha, no Complexo do Alemão, situado na Serra da Misericórdia, que abrange cerca de 43,9 km2 do município do Rio e se estende por 27 bairros do subúrbio carioca.

A ação partiu da articulação do Comitê da Sociedade Civil para a Cúpula dos Povos, quando se discutiu o que esse grande espaço de discussão, paralelo à Rio +20, poderia deixar de concreto para a construção dos territórios do futuro, informou o coordenador da Articulação do Semiárido (ASA) no Rio Grande do Norte, José Procópio de Lucena. "Estávamos discutindo com que tecnologias desejamos conviver e resolvemos investir nessa tecnologia social", destacou.

Construção

Lindinalva, mais conhecida como Linda, normalmente leva quatro dias para erguer uma cisterna de placa. Mas a sua primeira fora do Rio Grande do Norte, devido à irregularidade e dificuldade de acesso do terreno, deu mais trabalho, e levou oito dias para ser concluída. "Foi uma experiência única", conclui.

"Quando falamos em cisterna no Nordeste, estamos falando em água para beber, cozinhar, tomar banho, escovar os dentes, lavar louças e roupas, por meses, sem ter que caminhar quilômetros e pedir ao proprietário do reservatório. Estamos falando de autonomia, independência", declara Procópio.

Ele conta que a cisterna para esse atendimento das necessidades básicas foi invenção de um nordestino, que esteve em São Paulo construindo piscinas e, ao voltar à terra natal, teve essa ideia de criar um reservatório prático e higiênico.

Depois de ser alavancado pela ASA, em 1999, por ocasião da Convenção das Partes de Combate à Desertificação (COP3), no Recife, foi transformado em política pública: Programa Um Milhão de Cisternas (P1+C) e hoje já são 400 mil, com capacidade para 16 mil litros, construídas no Semiárido do Brasil.

Foi da necessidade de ampliar os usos, garantindo a segurança alimentar e a geração de renda, que surgiu, então, o Programa Uma Terra, Duas Águas (P1+2), que agrega uma cisterna com capacidade para 52 mil litros a outras tecnologias sociais que associam também técnicas da Agroecologia, como os quintais produtivos.

"A segunda água no entorno da casa permite estocar, produzir alimentos para a família e comercializar o excedente", explica Procópio.

"Vivemos a pior seca dos nossos tempos e por que não vivemos mais aquele desastre socioeconômico do passado?", indaga o coordenador da ASA. Ele ressalta que, além do reforço de tecnologias sociais, o Bolsa Família, a aposentadoria rural e programas da Agricultura Familiar, Alimentação Escolar e Aquisição de Alimentos, contribuíram para mudar a realidade.

Parcerias

Os dois programas contaram com muitas parcerias. Primeiro foi o Ministério do Meio Ambiente, depois o Ministério do Desenvolvimento Social. Contou também com apoio da Petrobras e foi um dos primeiros a ganhar o Prêmio de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil (FBB) da qual é a grande executora do último edital, para a construção de mais 60 mil cisternas, em oito estados do Semiárido, totalizando 89 cidades.

Por determinação do Governo Dilma, que estabeleceu uma meta de universalização da água até 2014, a perspectiva é que sejam construídas mais 550 mil cisternas. Para isso, em 2011, foram feitos arranjos institucionais com governos, municípios, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco (Codevasf), FBB, Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e foi anunciada a construção de 300 mil cisternas de plástico, que são consideradas pelos cisterneiros como "lixo plástico".

Os argumentos consideram que uma cisterna de placa custa R$ 2.080 e uma de plástico custa R$ 5 mil, além de todo o envolvimento da sociedade no processo. Foi feita, então, uma articulação, com aproximadamente 15 mil pessoas, em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), apoios nacionais e internacionais. A situação foi revertida e a parceria com o governo federal, mantida.

Beneficiados

27 bairros integram o Complexo do Alemão. Em um deles, o Engenho da Rainha, mais uma cisterna de placa foi concluída ontem

Tecnologia da seca utilizada com sucesso no Sudeste

Rio de Janeiro. O coordenador geral da Verdejar Proteção Ambiental e Humanismo (VPAH), organização da sociedade civil sem fins lucrativos de caráter socioambiental, Edson Gomes, afirma que a cisterna de placa também pode ser útil para famílias que vivem na serra úmida do Sudeste do Brasil devido à falta de qualidade da água da região. A cisterna de placa é uma tecnologia social criada, a princípio, para suprir necessidades de quem lida com o problema da escassez de água.

Ele explica que "a região é a mais adensada e com um quadro de degradação ambiental avançado, sendo a mais poluída da cidade, tanto no ar quanto nas quatro importantes bacias hidrográficas que envenenam a Bahia da Guanabara".

Esse tipo de tecnologia, assim como o reflorestamento realizado pela Verdejar, traz boas perspectivas para comunidades da região recém-pacificada do Rio.

A Verdejar surgiu em 1997 para desenvolver nas comunidades do entorno da Serra da Misericórdia o sistema de gestão ambiental comunitária com tecnologias de baixo custo e para aliar trabalho e renda partindo de atividades de recuperação de áreas degradadas. (MC)

* A jornalista viajou pelo programa de bolsas Internews/O Eco