Agroecologia
22.11.2018
Projetos com visões antagônicas sobre agrotóxicos devem ser votados ainda este ano na Câmara dos Deputados
De um lado a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), que foi construído em parceria com a sociedade civil. Do outro, o PL do Veneno, que atende aos interesses dos grandes latifundiários.

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Por Gleiceani Nogueira - ASACom

A PNARA vai fortalecer a produção agroecológica | Foto: Ricardo Araújo

A votação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) está avançando depois de mais de dois anos em pauta na Câmara dos Deputados, em Brasília. A expectativa é do relatório final proposto pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP) ser votado na Comissão Especial ainda este ano. No início deste mês, houve um seminário para apresentação do relatório construído em audiência públicas realizadas em todo o país. Ontem (21), estava marcada uma reunião para discutir e votar o texto, mas ela foi cancelada porque o deputado Valdir Colatto (MDB-SC), contrário à proposta, pediu vista ao projeto.

Estruturada em seis eixos, a PNARA é um contraponto ao projeto dos ruralistas, o Projeto de Lei 6299/02, mais conhecido como PL do Veneno. A PNARA prevê alguns mecanismos de controle e regulação, principalmente, no registro de novas substâncias; fundos para o desenvolvimento de zonas livres de agrotóxicos e transgênicos; redução da pulverização aérea, entre outras medidas que gerem redução dos agrotóxicos.

Em contraposição, o PL do Veneno prevê a flexibilização do uso de agrotóxicos. Na prática, isso significa mais veneno no prato e sérios riscos para a saúde da população. O Projeto já foi aprovado pela comissão especial antes das eleições e o mais provável é que os ruralistas tentem aprová-lo ainda este ano, inclusive porque menos da metade da bancada se reelegeu (dos atuais 245 integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, 117 (47,7%) foram reeleitos). Se aprovado na Câmara, o projeto deve ir direto para sanção presidencial, sem passar pelo Senado.

“Eles [os ruralistas] colocam o projeto [PL do Veneno] dentro do projeto de lei do [ministro da agricultura] Blairo Maggi, que é o 6299, de 2015. Esse projeto já veio do Senado. Então na prática, quando eles fizeram isso lá em 2015, eles estão dizendo: já foi feito o debate no Senado. Então agora é plenário e depois já vai para sanção presidencial. Que a gente não tem nenhuma esperança que possa ter algum veto”, explica Carla Bueno, representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Mesmo com uma diminuição da bancada ruralista, o cenário político é bastante favorável para a aprovação das pautas ligadas ao setor. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante campanha eleitoral concordou que o Ministério da Agricultura deveria ser o único responsável pela liberação dos produtos agrícolas — uma das principais mudanças do PL. Hoje, a liberação é feita em conjunto com o Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente.

“Se depender de mim, apenas o Ministério da Agricultura decidiria a liberação do produto. Eu apoio que a Anvisa fique fora [do processo] de liberação”, declarou Bolsonaro ao Portal AgroLink durante visita à AgroBrasília, que ocorreu em maio, na capital federal. 

O presidente eleito também propõe que a Política da Reforma Agrária fique dentro do Ministério da Agricultura, que tem como nome mais cotado para assumir a pasta o da deputada Tereza Cristina (DEM-MT), presidente da Frente Parlamentar Agropecuária e apelidada de “musa do veneno”. Ela também presidiu a Comissão Especial que analisou o PL do Veneno.

O retrocesso atrás da falsa “modernização”

Um dos principais argumentos dos defensores do PL do Veneno é que o uso de agrotóxicos mais modernos vão produzir alimentos mais seguros e com menos impacto para o meio ambiente. Para fortalecer essa ideia diante da opinião pública e construir uma imagem positiva e moderna do latifúndio, mascarando os reais malefícios desse modo de produção, o agronegócio tem investido milhões em campanhas publicitárias na grande mídia.

A mais conhecida delas é a Campanha Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é Tudo, exibida nos intervalos da programação da Rede Globo. Outra iniciativa é a Campanha Lei do Alimento Mais Seguro que propaga informações que contradizem dados e informações já atestadas cientificamente por órgãos renomados com o objetivo de desinformar e gerar dúvidas na população.

A campanha chega a afirmar, por exemplo, que não é verdade que os defensivos agrícolas oferecem riscos à saúde. Esse e outros disparates estão disponíveis no site da campanha que é realizada pela Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil). Não à toa, essas três lavouras lideram o consumo de agrotóxicos no Brasil.

Carla Bueno rebate a ideia de modernização e chama de atrasado o modelo defendido pelo agronegócio. Ela explica que países da União Europeia e China, que são grandes importadores de alimentos brasileiros, já estão colocando alguns limites na importação de produtos que tenham sido manejados dentro do pacote da Revolução Verde no Brasil, que começou na década de 70.

Ela também contesta o argumento de que, por trás da modernização, o agronegócio vai produzir mais alimentos para a população: “Eles falam que o agronegócio alimenta o Brasil. Na verdade, não. O que eles produzem são commodities, com preços estabelecidos internacionalmente e geralmente para exportação. O que o agronegócio produz no Brasil vai alimentar o gado da Europa. Não vai alimentar as pessoas. E quem produz alimentos no Brasil, que é a agricultura familiar, recebe muito pouco subsídio. Então o Estado brasileiro faz uma subversão. Ele subsidia o próprio agrotóxico e o agronegócio de maneira geral para produção de commodities, e pouco subsidia a agricultura familiar”.

Para Carla, a verdadeira modernização da agricultura passa por uma mudança no modelo de produção. E por isso o PNARA é tão importante porque ela visa apoiar o que se chama de transição agroecológica, fortalecendo a produção de alimentos saudáveis em bases sustentáveis. 

 “O PNARA não é nada muito revolucionária. Ela traz alguns mecanismos de controle e regulação principalmente no âmbito do registro de novas substâncias que é o principal assunto dos ruralistas porque tem toda essa vontade de aplicar o veneno na agricultura, mas a vontade maior mesmo é lançar novos produtos porque isso também gera lucro. Mas ela é principalmente essa tentativa política de fazer o contraponto ao afrouxamento da legislação. Ela é algo possível de ser aceita. Só que os ruralistas não querem dar nenhum espaço para a agricultura familiar, ainda mais depois desse golpe”, conclui Carla.

Informações seguras - A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em parceria com a Cooperativa EITA, desenvolveu uma plataforma com dados sobre agrotóxicos. São informações sobre vendas de agrotóxicos, intoxicações, contaminação da água, produção agrícola, estrutura agrária e mais. A ferramenta é composta por três painéis de dados: municipal, estadual e nacional. Conheça o portal: http://agrotoxicos.eita.org.br

Histórico – A PNARA nasceu do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) e foi apresentado como projeto de lei pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva. (Abrasco). O Pronara é fruto da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica instituída no governo Dilma.