Acesso à Água
15.11.2018
Brasileiros e senegaleses juntos pela convivência com o Semiárido
Durante uma semana, um grupo de agricultores e agricultoras brasileiras conheceram experiências de captação e gestão da água no Sahel.

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As diferenças culturais e linguísticas não impediram o agricultor alagoano, Sebastião Damasceno, de tomar nota de cada detalhe que via e ouvia durante o intercâmbio com o povo do Sahel senegalês. “Quero que outras pessoas possam saber o que conheci e aprendi aqui”, diz ele, com a sabedoria de quem sabe o quanto o que se aprende com o outro pode ser importante para melhorar nossa própria prática.
Ele, assim como os demais agricultores e agricultoras tiveram a oportunidade de percorrer aproximadamente 600 km conhecendo diferentes regiões secas do Senegal, aproximando-se das fronteiras com a Mauritânia e a Gâmbia. O Sahel é uma faixa de 500 a 700 km de largura, em média, e 5.400 km de extensão, envolvendo a Gâmbia, Senegal, Mauritânea, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade e Sudão.

Em Dahra, cidade com uma média pluviométrica de 400 mm por ano, era final da tarde e toda a aldeia de Ndiama Peulh estava reunida para receber os visitantes brasileiros ao lado cisterna de 15 mil litros. Ela faz parte do projeto-piloto do Programa Um Milhão de Cisternas no Sahel. A ação, inspirada no Programa Um Milhão de Cisternas, prevê a construção cisternas domiciliares e comunitárias no Senegal, Gâmbia, Cabo Verde, Níger, Burkina Faso e Chade.

A cisterna também foi pano de fundo, em Douly. A comunidade falou sobre a importância da água e como estavam utilizando. Assim como no Semiárido brasileiro, as mulheres e crianças são as responsáveis por buscar água. Uma das que conquistaram a cisterna explicou que “antes elas precisavam andar até 5km para chegar ao ponto de água mais próximo”.

A coordenadora do escritório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura para África Ocidental (FAO Reowa), Coumba Show, ressaltou a importância da ida dos agricultores e agricultoras à região. “É muito bom quando vocês vêm aqui e falam diretamente com o povo. Aqui ainda há muito o que fazer, principalmente fazer as pessoas acreditarem que tudo é possível”.

Durante a visita de campo, os agricultores e agricultoras brasileiros também conheceram como funciona a gestão do sistema hídrico do Senegal no meio rural. Na região, as comunidades são responsáveis pelos ‘pontos de água’, que são poços profundos que captam água do subsolo e distribuem para diversos pontos espalhados pela zona rural. A água é gerida por uma liderança comunitária, que é responsável pela cobrança e liberação do uso da água. A cobrança varia entre 100 e 400 Francos senegaleses por m³, de acordo com o uso e o perfil do usuário. Isso equivale a R$ 0,64 e R$ 2,50.

Outra tecnologia que tem contribuído para garantia de água nos períodos mais secos é a barragem bico de pato, com capacidade para armazenar até 1, 8 milhão de m³. Em Kaymor, na região de Kaolack, 11 aldeias têm sido beneficiadas com a água que é retida no período chuvoso. Embora Kaolack seja uma região mais chuvosa que Dahra – uma média de 900mm por ano - muitas aldeias ainda carecem de água próximo de casa.

Num mundo rural onde a submissão e invisibilidade das mulheres é tão evidente, em Dabaly e Keur Bara elas demonstram toda a potência feminina no protagonismo da produção de hortaliças e fruteiras, comprovando que é possível conciliar o trabalho no campo e a comercialização dos produtos com os aspectos da cultura local e da religião muçulmana. Ambas as aldeias já eram acompanhadas pela organização Symbiose, que com o apoio da FAO, implementaram cisternas de captação de água de chuva para ampliar a capacidade produtiva das mulheres. São cerca de 70 mulheres envolvidas, que se revezam numa área coletiva de aproximadamente 1 hectare, em cada uma das aldeias.

Segundo o representante do governo do Senegal, Ousmane Fall, o resultado do Programa ainda não foi avaliado, pois depende da finalização de todas as cisternas previstas, “mas as populações visitadas pela comitiva ficaram felizes e animadas com a visita e a oportunidade de aprender com o Brasil”, disse.

Para Adriela Dantas, de Pimenteiras (PI), foi muito gratificante participar do intercâmbio porque “podemos ver que é um semiárido parecido com o nosso e como nós já avançamos com o P1MC e os demais programas que temos e podemos contribuir com outros povos”.

“O intercâmbio foi uma experiência de vida, porque foi muito além de uma troca de sabores e saberes. Foi uma partilha de vivências, que se assemelham em muitos aspectos e que se diferem em tantos outros, mas que se juntam na força, na coragem e na resistência, na busca pela valorização das comunidades, dos povos do semiárido, na luta pela democratização da água e da terra, seja aqui no Brasil ou no Senegal”, avalia Valquíria Lima, da coordenação executiva da ASA pelo estado de Minas Gerais, que também participou da viagem.