Centro-americanos e brasileiros
12.07.2018
“Eles se deram conta de que não são os únicos que lutam por um mundo melhor”
Intercâmbio entre brasileiros e centro-americanos aproxima quem cuida da terra, da natureza e da comunidade

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Por Verônica Pragana - Asacom

Encontro de gigantes em amor pela Mãe Terra e em solidariedade | Fotos: Verônica Pragana/Asacom

De 25 a 30 de junho, quando as atenções dos brasileiros e das brasileiras estavam voltadas para o desempenho do Brasil na Copa do Mundo e para a Câmara dos Deputados, onde foi aprovado o pacote de medidas que libera ainda mais veneno na mesa dos brasileiros, aconteceu um encontro histórico num pedaço do Semiárido brasileiro, mais precisamente nos territórios do Cariri e Borborema, na Paraíba, e na região agreste de Pernambuco.

Eram 18 visitantes de três países da América Central – El Salvador, Guatemala e Honduras. E oito famílias anfitriãs, além de outras tantas pessoas envolvidas na articulação da juventude, das mulheres e de sindicatos rurais na região visitada. Sem falar dos técnicos das organizações de apoio à agricultura familiar. O intercâmbio foi promovido pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e corresponde à segunda fase de quatro que a iniciativa terá.

José, Mário, Rosa, Andréa, Santos, Rosaura, Berta Alícia, Mariana, Marciel, Glória, Victor, Pedro, José Romny, Mariano, Emilia, Dóris, Gustavo e Edwin fizeram um mergulho intenso na cultura da região, conheceram o agroecossistema das famílias visitadas; muitas tecnologias sociais que favorecem a autonomia dos campesinos na produção e minimizam a pressão sobre os recursos naturais, como água, madeira para lenha, entre outros; além de terem feito uma imersão na culinária, musicalidade e dança típicas da época junina. O dia começava cedo e terminava com festa, animação e mesa farta. Isso durante toda a semana do intercâmbio.

Mas, o que acontece quando agricultores e agricultoras de países latinos, que vivem em áreas afetadas pelas mudanças climáticas, se encontram? O que eles trocam? O que este encontro é capaz de reforçar em cada um/uma e nas suas intervenções no mundo?



Missão de vida - Cada campesino e campesina não estava ali por acaso, nem só para representar seus interesses pessoais como faz grande parte dos congressistas brasileiros. Além de serem cuidadores dos recursos naturais a partir de sua prática com a agricultura, são agentes importantes para a mobilização de suas comunidades ou grupo ao qual pertencem. São líderes natos que assumiram para si a missão de cuidar do bem comum, seja da natureza, seja da vida das pessoas.

E, assim, eles e elas vão construindo resistências importantes não só para o campo, como também para as cidades. Uma delas faz frente a um problema de ordem mundial que põe em xeque a segurança nutricional e a soberania alimentar das nações: a tentativa de domínio na produção de alimentos pelas megas transnacionais, que fabricam todos os insumos necessários para a agricultura ‘moderna’, inclusive as sementes transgênicas e os agrotóxicos, e estão por trás do aumento do envenenamento dos alimentos.

Apesar de poucos em quantidade, como mensurar o poder de quem se reconhece capaz de guiar a outros/as para que estes/as encontrem seus próprios potenciais e se libertem? Quem pode dizer qual efeito e transformações que isso pode gerar?

Como disse Doris Chavarria, técnica da FAO Guatemala, em algum momento do intercâmbio, os visitantes foram “se dando conta de que não são os únicos que lutam por um mundo melhor”. E essa percepção é nutridora de esperança e ânimo.

“Sou uma pessoa que vou levar minha luz para outras pessoas para que elas sigam com sua própria luz. Uma coisa bonita aqui é a organização. Algo especial é ver um banco de sementes. Quando vejo uma semente, tenho esperança. Vejo alimento e ninguém terá fome. Os guardiões de sementes significam que são guardiões da vida. As coisas que precisamos estão dentro da nossa própria comunidade. É incrível como alguns dias fizeram muito pra mim e pelo meu país”, comenta Andrea Campos, de El Salvador, no momento de avaliação do intercâmbio.



Já Rosa, uma jovem professora indígena - nas suas falas no grupo fazia questão de expressar-se primeiro no idioma chorti, originário dos Mayas, e depois na língua espanhola - destacou como um dos principais elementos do intercâmbio a participação da juventude. “Não resta dúvida que posso ser uma destas senhoritas, que posso ser um guia para eles [os jovens de sua comunidade].”

A exemplo de Andréa e Rosa, Mário Fernandez, um agricultor em transição agroecológica de El Salvador, tem clareza de seu papel de líder na localidade à qual pertence. “Queremos ser um guia, assim como vocês aqui foram pra gente, em El Salvador para realizar um sonho.”

Para Edwin Escoto, da ONG Vecinos Honduras, único representante deste país no intercâmbio, “o Brasil é uma lição porque demonstra, cada vez mais, que é necessário a organização das comunidades e famílias em torno dos interesses comuns e, sobretudo, em busca de soluções coletivas para problemas que são globais.”

Já Rosaura Díaz, da Guatemala, realça a organização das mulheres, dos jovens e das famílias agricultoras para a comercialização dos alimentos em feiras agroecológicas espalhadas pelo Semiárido e nas capitais dos estados do Nordeste, como o Espaço Agroecólogico das Graças, com 20 anos de existência, a mais antiga iniciativa de mercado social de Pernambuco, que funciona todos os sábados no Recife, capital pernambucana. “Vou [pra Guatemala] com o coração grande a partir do que vi da organização dos agricultores para a comercialização, das mulheres e dos jovens. Vou muito alegre”, anuncia ao grupo, Rosaura Diaz que lidera um grupo de 114 mulheres.


Jeito de fazer - Esta troca de conhecimento entre os agricultores e as agricultoras é um dos pilares do trabalho da ASA. “Construímos nossa caminhada a partir de uma afirmação de que os agricultores produzem conhecimento, que têm uma capacidade enorme de adaptar os conhecimentos quando os acessam em outro lugar e de se comunicar. Fazer este intercâmbio tem uma grande importância para a ASA. Significa dizer que os agricultores e agricultoras, para além do Semiárido brasileiro, são capazes de construir soluções para seus problemas e esta é a grande solução para as regiões semiáridas e para o planeta”, confirma Antônio Barbosa, coordenador de dois programas da ASA, o que favorece o estoque de água para produção (Programa Uma Terra e Duas Águas - P1+2) e o outro que torna uma ação comunitária a estocagem das sementes crioulas da localidade (Programa Sementes do Semiárido).

Para Joelma Pereira, agricultora do município de Cumaru, em Pernambuco, última família que recebeu os visitantes, o intercâmbio continua sendo um dos canais para fortalecer a produção e o trabalho de agricultores/as que estão neste processo de construção do conhecimento. “[O intercâmbio] fortalece não só a gente, mas o lugar que eles vivem e estão, mesmo sendo em outro país com uma realidade um pouco diferente”.



O intercâmbio – Em abril deste ano foi a vez dos/as agricultores/as brasileiros/as visitarem a região do Corredor Seco da América Central, de onde vieram os intercambistas de junho. Está agendado ainda para este ano um outro momento de intercâmbio. Desta vez, são os/as cisterneiros/as, como são chamadas as pessoas que constroem as cisternas, que vão ensinar como se constrói uma das tecnologias sociais mais importantes para a convivência com o Semiárido. Além destas etapas, estão previstos momentos entre os gestores públicos dos países envolvidos no intercâmbio para influenciar na construção de políticas públicas que possam ser executadas com recursos governamentais como aconteceu no Brasil, principalmente, durante os governos Lula e Dilma.