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A história do Guardião da Caatinga, seu Carlinhos

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Seu Carlinhos é um guardião da biodiversidade no seu pedaço de chão encravado na Caatinga, bioma genuinamente brasileiro e um dos mais degradados do Brasil.

A comunidade Lagoa das Areias distancia-se 37 quilômetros da sede do Município de Monte Alegre de Sergipe, no território Alto Sertão Sergipano. Foi nessa comunidade que há 22 anos chegou Carlos Soares de Menezes (Seu Carlinhos) ou o “caipira”, pois é assim que é conhecido na região e como ele se identifica nos diversos encontros que participa.

Ele tem 62 anos de idade. Nasceu na comunidade Augustinho, município de Nossa Senhora da Glória e “criado nesse mundão de Deus”, Seu Carlinhos foi para Lagoa das Areias movido pelo sonho de ter seu pedaço de chão. Comprou naquele ano uma terra com 71 tarefas. Casado com Dona Maria, tiveram juntos 08 filhos, mas a família se dividiu no momento de ir para a terra.

“Veio primeiro eu e os cinco mais novos: Clecinha, Vaninha, Nadinha, José e Ninho. Dona Maria disse que não vinha para aqui, aí os mais velhos disse que só vinham se ela viesse. “Ela não queria vim para os matos, o negócio dela era querer morar na cidade. As coisas foi sendo construída aos pouquinhos, depois de 02 meses de eu aqui minha esposa veio e trouxe os outros filhos”.

Com a coragem de construir uma nova vida, morou num pequeno barraco e só depois de alguns anos, conseguiu construir uma casa dentro da comunidade.

Seu Carlinhos é um guardião da biodiversidade no seu pedaço de chão. A caatinga, bioma genuinamente brasileiro que está inserida no clima Semiárido e com grandes índices de desertificação, ocupa o lugar do terceiro bioma mais degradado no Brasil. O manejo sustentável desse bioma é condição necessária para a sobrevivência da vida humana, animal e vegetal no Semiárido. Há muito tempo seu Carlinhos adotou essa consciência de lidar com a natureza de forma respeitosa e harmoniosa, e foi desse despertar que nasceu sua experiência com o manejo sustentável da caatinga. Sua propriedade possui 04 divisões: Capoeira, Área do Manejo ou Caatinga, Abelhas e Barra de Ouro (Roçado e Barreiro Trincheiro)

A Capoeira é uma área de 04 tarefas que começou a ser cultivada em 2009, antes disso não havia nenhuma planta nativa. Seu Carlinhos foi manejando o local e algumas espécies foram nascendo e outras ele plantou. Foram cultivados 46 pés de umbuzeiros para reflorestar e também para valorizar e afirmar essa árvore como símbolo do Sertão. Na Capoeira, existe uma variedade de plantas nativas, que têm diversas utilidades que vão desde finalidades medicinais tanto para os humanos quanto para os animais, até a produção de forragem para as criações, temperos para a culinária, e cerca viva.

“A natureza é difícil de fazer, mas de destruir é fácil”. É com essa afirmação que Seu Carlinhos mostra com maior orgulho o cantinho da sua propriedade que costuma chama-lo de Caatinga, um lugar que ele conta que nada foi plantado ao chegar a terra, que já encontrou e simplesmente se tornou um guardião. Esse lugar apresenta uma valiosa quantidade de árvores que já existem há muitas décadas, inclusive algumas são centenárias. Vale destacar o pé de Umbuzeiro com 130 anos, o Facheiro com 90 anos e a Braúna com 120 anos. Esse conhecimento em saber a idade das plantas veio da convivência com sua bisavó “Mãe Zefa”. Seu Carlinhos faz questão de fazer o visitante sentir a diferença da temperatura entre a área do manejo e a parte descoberta, para demostrar a importância de preservar a mata. Outro destaque é para harmonia das aves que ali habitam ou buscam pouso, e que contribuem para o reflorestamento. A lindeza em ver diversos pássaros tirando de dentro da Caatinga seus alimentos, fazendo seus ninhos e ecoando seu canto que encanta os olhos e ouvidos de qualquer visitante.

Quem pensa que na mata não é possível obter renda com o cultivo sustentável, está enganado. Pois seu Carlinhos mostra que é possível sim. Na parte do seu terreno, que ele chama de lugar das abelhas, existe uma quantidade de aproximadamente 22 caixas de criatórios para a produção de mel que ele vende na feira e nos eventos que participa. Essa é a parte cercada que as outras criações não entram, somente animais silvestres.  Um verdadeiro santuário fechado da natureza onde o silêncio só é quebrado com o canto dos pássaros. Mas como nem tudo na vida são flores, uma preocupação assombra a cabeça desse guardião, pois ele conta que “as abelhas estão se acabando, e se se acabarem a vida se acaba”. E já sente os impactos disso ao dizer que “tem ano que já tirei 600 quilos de mel e ano que não tirei nenhum, e isso tem um culpado, que é o veneno”.

Com essa bela história de convivência com o Semiárido e manejo da caatinga, Seu Carlinhos nos deixa lições importantes sobre esperança, persistência e respeito para com a Mãe Terra. Ele conta que nunca aprendeu a ler e a escrever, no entanto, é um verdadeiro cientista da terra. Ele orienta que cada agricultor e agricultora precisa conservar ou plantar, no mínimo, 3 árvores por tarefa na pastagem. Cerca de 70% da sua propriedade é composta por mata.

“Meu avó disse que a gente tem que cercar um tampo de terra e ir plantando devagarzinho, para viver é assim, tem que deixar a vida no meio”.