mulheres
10.10.2024
Quintais Produtivos e Cirandas como espaço de empoderamento e proteção para mulheres e crianças no Semiárido
Espaço infantil no projeto Quintais das Margaridas garante autonomia às mães agricultoras e promove educação contextualizada para as crianças

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Por Rodolfo Rodrigo/ ASACom

Oficina do Quintais das Margaridas - Nirley Lira AS-PTA

No Semiárido brasileiro, o projeto Quintais das Margaridas realizado pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no âmbito do Programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais, tem se tornado sinônimo de autonomia para as mulheres agricultoras. 

Com a promoção da segurança alimentar e nutricional desses espaços, os quintais transformam a vida de famílias inteiras, e, em particular, das mulheres que, por muito tempo, enfrentam dificuldades para participar plenamente de projetos e formações por falta de uma rede de apoio. 

A criação de espaços dedicados às crianças, com monitoras experientes, se apresenta como uma solução que  promove a igualdade e combate diretamente a violência contra as mulheres.

No Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher (10 de outubro), a iniciativa dos Quintais das Margaridas, ganha ainda mais relevância por abrir caminho para que mulheres possam ocupar espaços de formação e organização, sem se sentirem sobrecarregadas pela responsabilidade do cuidado com os filhos.

Segundo Nirley Lira, assessora técnica da AS-PTA, entidade executora do Programa na Paraíba, e coordenadora do Quintais das Margaridas, antes da chegada das monitoras muitas mulheres não participavam das atividades realizadas pelo projeto. “Nos programas que realizamos antes, as mães foram constrangidas em levar as crianças e, muitas vezes, deixaram de participar por causa disso”, relata.

A falta de estrutura para acolher as crianças, nos primeiros anos dos projetos, impedia uma participação ativa das mulheres, que se viam divididas entre o desejo de aprender e a necessidade de cuidar dos/as filhos/as. Hoje, com a presença de monitoras e com espaços como as Cirandas de Borborema, essa realidade mudou. Além de criar um espaço seguro para as crianças, o projeto tenta trabalhar de forma lúdica, mas profunda, reflexões sobre temas discutidos com as mães, como a divisão das tarefas domésticas e o cuidado com o quintal produtivo.

Jeane Carla, monitora das crianças no Quintais das Margaridas, conta que o projeto além de valorizar o trabalho das agricultoras, também envolve as crianças de maneira ativa. “Esse projeto dá visibilidade ao trabalho da mulher agricultora, né? Que tá lá na sua realidade, no dia a dia, no campo, cultivando seus quintais. E também abre espaço para as crianças, onde as pessoas podem trabalhar com elas, ensinando coisas como agroecologia, agricultura familiar, e temas como o racismo e a violência, mas de uma forma clara e leve, para que elas possam entender”, explica.

 

Crianças apresentam resultados das atividades na oficina - Nirley Lira AS-PTA

 

Ao criar um ambiente seguro e acolhedor para as crianças, o projeto também contribui para a diminuição da violência contra a mulher. Afinal, a falta de autonomia econômica e de acesso às redes de apoio são fatores que dificultam a participação da mulher nos espaços de formação.

“As mães sabem que, enquanto elas estão aprendendo e trocando experiências, seus filhos estão sendo cuidados, estão longe das telas, interagindo com outras crianças, aprendendo também. Eles não precisam se preocupar se a criança já almoçou, se tomou banho, porque o cuidado é garantido”, reforça a monitora.

O projeto Quintais das Margaridas fortalece essas mulheres permitindo que elas desenvolvam suas habilidades, aumentem seu rendimento e, com isso, rompam ciclos de dependência e violência. "Essa iniciativa é um verdadeiro divisor de águas para as mulheres do campo. Elas agora podem se concentrar nas atividades, sem o peso constante da preocupação com os filhos", conclui Nirley. 

 

Uma trajetória de transformação com a assessoria dos Quintais das Margaridas

Marinete Costa, moradora do sítio Palma, em Solânea/PB, é uma das mulheres que tiveram suas vidas transformadas pelo projeto. Antes de se envolver com as atividades da AS-PTA, sua casa, no Curimataú paraibano, refletia dificuldades de uma região sem convivência com o Semiárido.

“Eu não tinha nada aqui em casa, nem hortaliças, nem plantas. Mas, com o apoio das formações da AS-PTA, comecei a mudar isso. O projeto veio para transformar a nossa relação com a terra, e hoje tenho um quintal produtivo que me ajuda a complementar a alimentação da minha família”, conta.

Marinete cuida de tudo sozinha, já que seu companheiro trabalha fora da cidade e só retorna para casa a cada três meses. Além disso, ela é mãe de Felipe Costa, uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) de 10 anos que, de acordo com ela, fazia com que, muitas vezes, fosse difícil participar dos encontros.

A presença das monitoras no projeto permitiu a Marinete participar das atividades sem preocupações. Enquanto ela aprendia sobre agroecologia e gestão dos quintais produtivos, Felipe recebia cuidados especializados e trouxe uma surpresa, até mesmo para sua mãe, quando, no fim das atividades, escreveu seu nome pela primeira vez. 

Foi durante um desses encontros que eu descobri que meu filho já sabia escrever o nome. A cuidadora me contou, e eu fiquei surpresa e muito emocionada, porque eu não sabia que ele estava evoluindo tanto na escola. Foi uma alegria imensa para mim”, conta Marinete.

 

       Felipe Costa participando da oficina - Acervo Marinete

 

A participação de Marinete foi além de aprender técnicas agrícolas. Ela também se tornou uma multiplicadora de saberes recebendo em sua casa 15 mulheres da comunidade para compartilhar o que havia aprendido. 

"Durante o evento, a gente desenhou o mapa da minha casa, mostrando como estou organizando meu quintal produtivo. Foi uma troca de conhecimentos muito rica, porque além de aprender, a gente repassa para outras mulheres. Esse apoio da AS-PTA está sendo fundamental para nós”, explica. 

 

                Mapa da residência de Marinete - Acervo Marinete

 

Os Quintais Produtivos como política pública para o Semiárido

O projeto Quintais Produtivos das Mulheres Rurais, desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) , faz parte de um grande movimento de retomada das políticas públicas para o campo. Com um investimento inicial de R$20 milhões em 2023-2024, o programa prevê a implantação de 90 mil quintais produtivos até 2026, fortalecendo a agricultura familiar e a autonomia econômica das mulheres rurais. 

Essa ação é um desdobramento das reivindicações da Marcha das Margaridas , que exige maior democratização do acesso à terra e aos direitos territoriais para as mulheres do campo. O projeto impulsiona a produção agroecológica e contribui diretamente para o enfrentamento da violência do gênero, ao criar espaços seguros onde as mulheres possam se organizar e fortalecer sua independência. 

Ao todo, 2 mil quintais produtivos serão implementados pelo MDA até 2025. Desse total, 1120 serão feitos no Nordeste através da ASA envolvendo 14 organizações.

Com essa iniciativa, o MDA fortalece a agricultura familiar e contribui para a conservação da biodiversidade e promoção de práticas agroecológicas na região.