Por Lívia Alcântara/Asacom
Desde 2022, no distrito de Matas, município de Ceará-Mirim (RN), a Escola Municipal Virgílio Luíz vem transformando sua abordagem educacional e tem se tornado uma referência na região. Horta, composteira, viveiro de mudas, saberes indígenas, intercâmbios com outras escolas e tempo integral são algumas das práticas que vêm integrando a rotina escolar das e dos estudantes.
Estudantes da E. M. Alberto Nicácio em visita a E. M.Virgílio Luiz para participar de oficinas sobre sustentabilidade ambiental.
A escola, que sequer entrava na classificação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que avalia as instituições de ensino com notas de 0 a 10, em 2023, conquistou a nota de 3,8. Idayane da Silva Ferreira, gestora da escola desde 2020, conta com orgulho sobre esta conquista.
A diretora conta que no fim do ano de 2021, ela, professores e estudantes não tinham perspectiva de se tornarem o que são hoje. Há décadas, a tendência é o fechamento de escolas rurais e não a valorização das mesmas. Entre 2013 e 2023, 19.941 escolas rurais foram fechadas no país, segundo dados apresentados pela Diretora de Políticas de Educação do Campo e Educação Escolar Indígena, Maria do Socorro Silva.
Diante de um cenário de extinção, a transformação começou ainda em 2021, quando a escola iniciou uma parceria com a Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Solidárias (Oasis).
Futuros possíveis
A Oasis é uma incubadora gerida por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que aposta na educação básica com ações de popularização da ciência e fortalecimento da educação contextualizada.
Nos primeiros contatos, as e os estudantes receberam uma visita dos pesquisadores para falar sobre os cursos de graduação e as estruturas da instituição. O contato foi seguido de visitas para conhecer a Escola Agrícola de Jundiaí, no distrito de Macaíba e a própria UFRN, na cidade de Natal. Para Idayane, “com esta visita os alunos perceberam que não é preciso sair do campo para estudar”. Ela mesma, hoje cursa técnico em veterinária na Escola Agrícola de Jundiaí.
Sob assessoria da OASIS, a escola começou a implantar uma horta escolar e uma composteira. Plantaram couve coentro, cebolinha e, em alguns meses, e estão colhendo os frutos.
A hora da escola é cuidada pelos próprios estudantes.
Os estudantes compostam para adubar a horta.
Tempo integral
Ainda em 2022, a escola começou a participar do Programa Brasil Escola que apoiava instituições com baixo índice no Ideb e estudantes inscritos no Bolsa Família. Em 2024, quatro escolas de Ceará-Mirim passaram a funcionar em tempo integral, sendo a E. M. Virgílio Luíz a única da zona rural.
O tempo integral por si só não é uma garantia de uma boa qualidade da educação e a adaptação a este formato custou bastante. “Foi uma fase bem difícil, tanto para os funcionários, quanto para os alunos. Não teve muita aceitação dos pais. Nossa escola é muito pequena o que dificulta o tempo integral. Tivemos que nos virar para adaptar”, contou Idayane.
Ainda com apoio do Oasis e da Secretaria Municipal de Educação (SMEB), a escola se propôs a desenvolver outros projetos interdisciplinares, explorando, por exemplo, os saberes indígenas e as plantas medicinais. Receberam visitas do professor Dr. Cadu Araújo, pesquisa sobre culturas indígenas, é artista, produtor cultural e integrante do Movimento Alternativo Goto Seco e do Coletivo Indígenas do Vale.
Atividade sobre saberes e indígenas plantas medicinais.
Em dezembro de 2023, os esforços para desenvolvimento de conteúdos interdisciplinares culminaram na realização da 1ª Feira de Ciência, Cultura e Agricultura Familiar, com a participação de outras escolas. O evento, realizado em conjunto com pais e professores, foi uma ação no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e focou na alimentação escolar saudável.
1ª Feira de Ciência, Cultura e Agricultura Familiar da E. M Virgílio Luíz.
Cisterna nas Escolas
Mas as conquistas não pararam. Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SMEB), idealizaram o Viveiro de Mudas Escolar. Eriberto Moreira, Coordenador de Educação Ambiental, que tem apoiado o projeto, apresentou a proposta para a Promotoria de Ceará-Mirim, que irá custeá-lo.
Arquiteto Allan da SMEB apresentando a maquete do Projeto Viveiro de Mudas Escolar, espaço onde serão produzidas mudas de plantas para atividades de ensino aprendizagem voltadas para a preservação do Meio Ambiente.
Mas havia ainda um desafio para a efetivação do viveiro: a falta de água. “A grande questão era não ter água suficiente. Foi quando entrou o Programa Cisternas nas Escolas, com a cisterna de 52 mil litros. Isso vai ajudar tanto no consumo da água, quanto o viveiro e a horta. O grande sonho lá é tornar esta escola modelo, a escola mais sustentável de Ceará-Mirim”, comenta Eriberto. A cisterna é uma tecnologia que permite captar água da chuva para ser utilizada durante os períodos de estiagem. A tecnologia já foi integrada ao projeto arquitetônico do viveiro de mudas.
Segundo Conceição Bezerra, da Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte (AACC), organização que executa o Programa Cisterna nas Escolas no Rio Grande do Norte, no município de Ceará-Mirim, outras 14 escolas foram beneficiadas, além da E. M. Virgilio Luíz. Ao todo, 48 escolas serão contempladas com a tecnologia no Rio Grande do Norte, distribuídas em sete municípios e em dois territórios: no Território Mato Grande, além de Ceará-Mirim (15), João Câmara (15), Taipu (6), Jandaíra (4), Parazinho (1) e no Território Potegi: Santa Maria (3), Ielmo Marinho (4).
Na E. M. Virgílio Luíz, o terreno já começou a ser escavado para receber a tecnologia e o viveiro de muda será realizado logo após sua implantação. “Os projetos da escola Virgílio Luíz tem uma importância grande para a sustentabilidade. A ideia é estas escolas do campo se fortalecerem para que o aluno não precise desesperar para ir para os grandes centros urbanos. Eles falam que vão fazer adubo em casa para vender. Tem todo um propósito de fortalecer a educação no campo e a sustentabilidade ambiental”, comenta entusiasmado Eriberto.
Por que estão fechando escolas no campo?
Há décadas, movimentos sociais vêm lutando pelo direito à educação no campo, por uma educação contextualizada ao modo de vida camponês, indígena, quilombola. Por uma educação que inclua em seu currículo o cuidado com a terra, os conhecimentos ancestrais e que dê condições para que os jovens possam escolher permanecer no campo.
No entanto, o fechamento das escolas no campo tem sido uma tendência. Já em 2011, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lançou a campanha “Fechar escola é crime”, denunciando o fechamento de 24 mil escolas no campo, entre 2002 e 2010. A educação no campo passou a enfrentar ainda mais dificuldades a partir dos primeiros dias do mandato presidencial de Jair Bolsonaro, quando foi extinta a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi).
“A gente tem um processo intenso de fechamento de escolas no país, fechar escolas no Brasil se tornou natural. As pessoas fecham as escolas na maior naturalidade, como se isso não fosse ataque aos direitos”, denunciou Maria do Socorro Silva, Diretora de Políticas de Educação do Campo e Educação Escolar Indígena, durante o evento online Cenário da Educação Contextualizada e do Campo frente às Políticas Nacionais, organizado pela Articulação Semiárido Brasileiro, no âmbito do Programa Cisterna nas Escolas.
Maria do Socorro, teve como professora e inspiração Margarida Alves, lecionou e possui uma trajetória em defesa da educação contextualizada. Segundo ela, embora justifiquem o fechamento das escolas no campo pela defesa da nucleação dos estudantes nos centros urbanos como alternativa pedagógica e financeira, existe um movimento por trás disso.
“Quando a gente joga os dados [das escolas fechadas] no mapa do Brasil, o que a gente percebe é que onde tem avanço do agronegócio com monocultivo, fecha escola. Onde tem avanço do hidronegócio, fecha escola. Onde tem avanço da mineração, fecha escola. Se você olhar a área onde estão chegando os parques eólicos, tem fechamento de escola. Porque a ideia é tirar gente do território rural para ocupar com o agro, hidronegócio. Por trás do fechamento de escola tem uma estratégia de modelo de sociedade, não é uma lógica só pedagógica ou financeira”, defende Maria do Socorro Silva.
Fotos cedidas por: Idayane da Silva Ferreira e Eriberto Moreira.
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