A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) avança na construção do Programa de Saneamento Rural, que será concluído durante seminário mês que vem no Rio Grande do Norte, e, posteriormente, apresentado no X Enconasa, marcado para agosto, em Alagoas. Mais de 30 representantes de organizações sociais e universidades se reuniram, no último dia 13, para aprofundar o debate e propor diretrizes sobre parâmetros químicos e físicos da água de reúso agrícola, bem como modelos de gestão dos serviços de saneamento rural.
Na oficina técnico-científica promovida pelo Grupo de Trabalho de Saneamento Rural da ASA, o engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Genival Barros Júnior, apresentou resultados de pesquisas que analisaram a salinidade e a presença de sódio, boro e cloretos em amostras da água cinza filtrada. Isso ocorre em águas de poços localizados em subsolos com predominância de granito e calcário, e que ainda se apresenta como única fonte de água para a limpeza do dia a dia de inúmeras famílias.
Os trabalhos indicam a ocorrência dos componentes químicos em níveis relativamente baixos, mas não recomendados para todo tipo de plantio. O estudo também revela que a limpeza frequente da caixa de gordura dos sistemas de reúso de águas cinzas melhora a qualidade química do fluido.
Na avaliação do professor e sua equipe de alunos, os resultados indicam que dependendo dos teores preexistentes na água de uso doméstico é possível reduzir a concentração de sais a um patamar seguro para a saúde e o meio ambiente. Do mesmo modo, a diluição de água de reúso, quando salobra, com água doce de outras fontes destinadas à produção também é uma solução válida para reduzir a presença dos sais.
Em relação à salinização do solo provocado pela água de reúso, após dois anos de irrigação no campo, a pesquisa mostrou que não há grande elevação de sais. Já os resultados em laboratório, ou seja em ambiente controlado, apresentou variações a depender do tipo de cultura e do tempo de rega, o que, para os cientistas, exige mais estudos. Para o professor, isso também alerta para a necessidade de estabelecer critérios no reúso de água salobras na agricultura.
PNSR
Outro ponto de debate da oficina foi o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). Encabeçada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) - órgão vinculado ao Ministério da Saúde - a iniciativa foi elaborada entre 2015 e 2019 e estabelece algumas diretrizes para a implementação de estruturas e serviços de saneamento rural, tais como a coleta e tratamento de esgoto no campo. Entre os tópicos do documento estão marcos referenciais, eixos estratégicos e as metas do PSNR.
O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Bernardo Aleixo ministrou uma palestra sobre a gestão do PSNR. O servidor é engenheiro civil, mestre e doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e chegou a acompanhar a elaboração do programa.
De acordo com o PNSR, a gestão deve estar atrelada a ações de planejamento, regulação, prestação do serviço e fiscalização, prevendo também a gestão compartilhada de sistemas de saneamento, mas, que requer o Estado como promotor e articulador para a garantia do direito básico dos cidadãos e das cidadãs do campo de terem o esgoto devidamente tratado.
O pesquisador defende, portanto, sistemas compartilhados entre sociedade civil e poder público a exemplo de alguns que já existem em estados como Maranhão, Bahia e Piauí denominados SISAR e Centrais das Águas, que atuam no eixo de abastecimento, mas com potencial para demais eixos do saneamento básico.
O palestrante, também provocou os participantes a analisarem o desafio do saneamento rural de maneira estrutural considerando os condicionantes políticos, econômicos, socioculturais, institucionais e legais.
“Diante inércia do Estado brasileiro para com o PNSR, mas do que avançar em melhorias tecnológicas, a sociedade precisa incidir politicamente para que o PNSR seja efetivado, em escala e com isso garantir os direitos negado ao povo que habita a zona rural”, avaliou o coordenador técnico de projetos do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) e membro do GT de Saneamento Rural da ASA, André Rocha.
Experiência
A oficina técnico-científica abriu espaço para a apresentação do Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos Comunitários (Seapac), do Rio Grande do Norte. A organização, há 10 anos, trabalha com ações para promover o acesso da população camponesa ao saneamento rural.
Durante a exposição, o engenheiro agrônomo e educador social do Seapac, Fabrício Edino reforçou a importância das tecnologias sociais implantadas ao longo dos últimos anos no Semiárido pelas entidades da sociedade civil. Segundo ele, as experiências provam que são estratégias viáveis e eficazes no tratamento do esgoto e no reúso da água para produção.
Entre os exemplos de tecnologias estão o decanto digestor com filtro biológico. O sistema recebe a água proveniente de ralos e pias em uma caixa de gordura, depois esse fluido segue para o decanto digestor e então, por gravidade, é transferido para um filtro biológico composto por tijolo de barro, brita, carvão, sabugo de milho ou bagaço de serraria. A água filtrada é utilizada na irrigação de plantações.
“Diante dos conhecimentos adquiridos sobre limitações e potenciais do reúso de água, percebemos que essa prática é um caminho sem volta na cultura dos povos do Semiárido, que só tem a crescer”, afirmou André Rocha.
A oficina sobre parâmetros químicos e físicos da água para reúso agrícola concluiu uma rodada de três encontros virtuais. Representantes das organizações da rede ASA, pesquisadores, parceiros e membros de poderes públicos se reunirão presencialmente nos dias 11 e 12 de abril em Pau dos Ferros (RN). O seminário deve reunir mais de 60 pessoas dos estados do Nordeste e de Minas Gerais.
“Temos a expectativa de ampliar um pouco mais os consensos sobre os componentes do Programa de Saneamento Rural da ASA, suas diretrizes, e metodologia, dialogando com as perspectivas do PNSR. E com isso as organizações da rede utilizá-lo na inserção em políticas públicas, formação de parcerias e promoção de ações de saneamento rural com reúso de água no Semiárido, de forma articulada”, declarou André Rocha.
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