Mulheres e protagonismo
06.12.2021
Podcast Cidadãs das Águas nasce com a missão de contar histórias de mulheres, protagonismo e conquista do direito humano à água no Semiárido
Trabalho teve como inspiração a comunicação em defesa da convivência com o Semiárido realizada pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e foi produzido como parte das atividades do curso Podcast: o seu conteúdo para o mundo

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Por Adriana Amâncio

Dona Maria Neves sentada em sua cisterna de 52 mil litros, que lhe permitiu construir um pequeno sistema de produção de alimentos agroecológicos - Foto: Acervo Irpaa

As mulheres do Semiárido têm uma relação diferente com a água. Historicamente, são elas as principais responsáveis por abastecer a casa, inclusive nos períodos de estiagem, quando os maridos migravam em busca de emprego. Conquistar a água perto de casa, para elas, representa redução da carga de trabalho, perspectiva de convívio com a região e oportunidade de formação política, profissional e educacional. São histórias como estas que o podcast Cidadãs das Águas se propõe a contar. 

O episódio de estreia, intitulado “Não é só a cisterna, tem várias outras coisas”, uma das frases ditas pela agricultora Francisca Eliane de Lima, Neneide Lima, cuja história é retratada no podcast, define bem a importância de pautar a questão do acesso à água sob a perspectiva das vidas das mulheres. Nos relatos das mulheres, a cisterna é um ponto de partida para uma série de outras conquistas que beneficiam não apenas a elas, mas também as suas famílias e as comunidades onde estão inseridas.

A mudança de vida que as mulheres alcançam a partir da conquista da água, quase sempre, não fica no universo privado, torna-se uma inspiração de vida e de trabalho para que outras mulheres possam conhecer a cidadania. Nos relatos, é possível ver que as mulheres transformam a sua experiência de vida em um propósito coletivo, que envolve as mulheres das suas comunidades ou grupos que são fundados ou os quais elas passam a integrar. 

 

A inspiração - O Cidadãs das Águas foi produzido por mim, Adriana Amâncio, radialista, jornalista e especialista em Marketing Digital, integrante da Assessoria de Comunicação da Articulação Semiárido Brasileiro (Asacom), como atividade de conclusão do curso Podcast: o seu conteúdo para o mundo. Me inspirei na comunicação desenvolvida pela ASA, que, trazendo a narrativa da perspectiva da Convivência com o Semiárido, disputa espaço com a ainda vigente narrativa do Semiárido seco e terra de retirantes. 

Esse trabalho também bebe das águas da Rede de Comunicadores/as Populares da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), que fortalece a comunicação em prol da convivência com o Semiárido, nos lugares mais difusos da região, e envolve os mais diversos públicos. A produção também encontra no passado um alicerce para ganhar vida e ocupar a podosfera, nome que se dá ao espaço onde os/as  produtores/as  de podcasts habitam. 

No ano de 2008, conheci o Semiárido profissionalmente e pessoalmente, atuando como comunicadora popular do Programa Uma Terra e Duas (P1+2) e me tornando, junto com a minha família, inicialmente, moradora do município de Afogados da Ingazeira, localizado no Sertão do Pajeú, no Semiárido pernambucano; e em seguida, atuando no mesmo programa, porém, no município de Umarizal, na região Oeste, no Semiárido do Rio Grande do Norte. 

Foram dois anos de imersão na região, respirando os ares da Caatinga, partilhando o cotidiano da região, a acolhida do povo e assimilando sotaques, hábitos alimentares e, especialmente, assumindo o desafio de contar para o mundo as histórias e experiências de convivência que se davam ali. Experiências essas bem diferentes daquelas que ainda se perpetuam no imaginário popular, criadas e mantidas por muitas narrativas históricas e atuais protagonizadas por grandes obras literárias e pelo noticiário de veículos da grande imprensa.

 

Um olhar de gênero - A experiência de contribuir com a comunicação no Semiárido somou-se a uma vivência de comunicação e gênero, realizada entre os anos de 2000 e 2007. Naquela ocasião, integrei o projeto Rádio Mulher, uma ação de educação em direitos sexuais e reprodutivos, realizada pela organização não governamental Centro das Mulheres do Cabo, na região da Zona da Mata de Pernambuco. 

Por meio de um programa radiofônico em formato de rádio - revista, contendo entrevista, enquetes, notícias,  veiculado diariamente ao longo de uma hora, as mulheres, especialmente da área rural da região, tinham acesso à informação sobre gênero, saúde, direitos sexuais e reprodutivos em uma linguagem simples e didática. A experiência me proporcionou entender a questão de gênero e compreender como as demandas universais se revelam de forma específica nas vidas das mulheres.

 

Mais do que cidadãs - Um bom exemplo de como as mulheres transformam a sua experiência pessoal de acesso à cidadania em uma questão coletiva, está na história que abre o primeiro episódio do Cidadãs das Águas. Quem dá vida a essa história é a agricultora Maria Neves, que mora na comunidade Caiçara, Distrito de Abóbora, área rural do município de Juazeiro, no Semiárido baiano. Quando criança, ela não pôde estudar porque tinha que acompanhar os pais em longas caminhadas na busca por água. 

Aos 30 anos, quando realizou o sonho de aprender a ler e escrever, após conquistar a cisterna de 16 mil litros e construir um sistema de produção de alimentos agroecológicos, passou a integrar a diretoria da Associação Comunitária de Caiçara. Ocupando este espaço, a agricultora dedicou-se a trabalhar para que outras mulheres tenham acesso à água e a outras políticas públicas de convivência com o Semiárido.

 

Alimento e renda para toda comunidade - A agricultora Francisca Eliane de Lima, mais conhecida como Neneide Lima, por pouco não abandonou o Assentamento de Reforma Agrária Mulunguzinho, na região rural de Mossoró, no Semiárido do Rio Grande Norte. Durante algum tempo, ela se manteve bebendo água de brejo, que era fervida para fazer com que a lama assentasse. 

Quando conquistou a água perto de casa, Neneide, inicialmente, passou a produzir alimentos para garantir o sustento da própria família. Logo depois, se uniu a outras mulheres para construir uma experiência coletiva de produção e comercialização de alimentos, hoje conhecida como a Rede Xique - Xique de Comercialização Solidária.

 

Compartilhando o que é bom - Ciente dos benefícios dos produtos agroecológicos que cultiva na sua comunidade, o Sítio Caruá, área rural de Vertentes, a adolescente Estefany de Lima, leva alguns itens para vender na escola onde cursa o 8º ano do Ensino Fundamental I, localizada na área urbana. A produção conta com alimentos e espécies medicinais as quais ela indica às/aos colegas de sala e às/aos professores/as. 

A produção é mantida graças a cisterna de 16 mil litros, que livrou sua mãe e seu pai das longas caminhadas realizadas de madrugada em busca de água para matar a sede. E de 52 mil litros, reservatório destinado especificamente à produção de alimentos e à criação animal. Estefany conhece a cisterna de 16 mil litros desde pequena, por essa razão, afirma de forma categórica: “eu não tenho medo da seca”. 


Reconhecimento - O Cidadãs das Águas  foi um dos três trabalhos premiados na turma Nordeste, que contou com a participação de 29 jornalistas de todos os estados da região. O programa vai ilustrar o portal Vozes da Floresta, um indexador que deve reunir podcasts produzidos nas regiões Norte e Nordeste do Brasil no âmbito do curso Podcast: o seu conteúdo para o mundo. O curso, realizado pela equipe As Amazonas, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Embaixada e os Consulados dos Estados Unidos no Brasil, anunciou os premiados no dia 27 de novembro, durante aula online.

O podcast Cidadãs das Águas irá apresentar episódios inéditos a cada mês. Além das histórias das mulheres, o/a ouvinte também poderá conferir entrevistas com especialistas, pesquisadores e lideranças de organizações não governamentais sobre temas relacionados às questões de gênero e cidadania das mulheres no Semiárido brasileiro. Dê a sua contribuição, escutando e compartilhando o podcast Cidadãs das Águas, acessando link: https://abre.ai/dAfl