Cera alveolada é sustentabilidade
07.06.2021 PB
Uso de cera alveolada no Semiárido promove cadeia produtiva de mel sustentável e econômica
Reaproveitamento do produto evita desperdício e polui menos o meio ambiente, além de economizar dinheiro, aumentando a renda dos/as apicultores/as e otimizando a produção de mel

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Por Adriana Amâncio - Asacom

Jovens apicultores/as fazem a alveolação da cera no cilindro - Foto: Acervo AS-PTA

A produção da cera alveolada no processo de beneficiamento do mel de abelhas prova que uma cadeia produtiva ambientalmente sustentável, economicamente viável e socialmente justa é possível. Um dos sinais de que o mel está no ponto para colheita é quando os/as apicultores/as observam que cerca de 80% de todo o favo está coberto por opérculo, um tampo de cera  construído pelas abelhas assim que o mel atinge entre 18% e 20% de umidade, ponto exato de extração. Se beneficiada, esta cera elimina o resíduo, tornando a cadeia sustentável, garantindo economia para o/a produtor/a de mel e aumentando a produção. 

Essa realidade tem se tornado cada vez mais comum no Semiárido paraibano em meio à Rede de Jovens Apicultores/as da Borborema, vinculada ao Polo da Borborema, região composta por 13 sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e por cerca de 150 organizações que atuam  em defesa da convivência com o Semiárido. A cada dia, jovens produtores/as de mel têm reaproveitado a cera produzida pelas próprias abelhas, fechando o ciclo da produção.

O reaproveitamento da cera é uma evidência de que há cadeia produtiva  sustentável e equilibrada. “É, assim… a cera que a pessoa usa, aquilo ali você ia jogar fora, não ia utilizar mais, devido que se derrete, que tem todo esse processo é maravilhoso! Porque você deixa de jogar fora, você reusa de novo, né? Isso é muito bom para o meio ambiente. Que é algo que você reaproveita, economiza o trabalho das abelhas, economiza o suor delas”, explica o jovem apicultor paraibano, Delfino de Oliveira, que há pouco mais de um ano produz cera alveolada.

Menos custo e mais produção - Para o jovem apicultor de 21 anos, que trabalha com abelhas desde os 15, as vantagens vão além da sustentabilidade ambiental, melhorando a renda da família. “Tá custando [cera alveolada], hoje, aqui, em Campina Grande, 90 reais. Quer dizer: é 90 reais que eu já não gasto mais. E como aqui eu trabalho em torno de dez enxames, devido que a minha área é pequena, eu sempre uso em torno de 5 kg  a 6 kg de cera. Graças a Deus, eu tô economizando um bom dinheiro”, comemora Delfino. 

A produção anual de cera alveolada de Delfino, que mora no sítio Cinza, localizado no município de Esperança, na região da Borborema, é de cerca de 8 kg. Multiplicando o valor do quilo da cera pelo total da sua produção, o apicultor consegue uma economia de R$ 720 por ano. No início do trabalho, ele optou por produzir e vender enxames, em vez do mel. A escolha ocorreu porque “a região é mais ruim pra flor”. Além disso, reforça, Delfino, “raramente eu vendia um litro de mel, devido que a Uruçu, a produção dela é mais pouca”, completa. 

Processo de laminação da cera, uma das etapas do beneficiamento, anteriores à alveolação - Foto: Acervo AS-PTA

Troca de conhecimento, fortalecimento da produção -  Ao integrar a Rede de Jovens Apicultores/as da Borborema, Delfino descobriu outras espécies de abelhas e as vantagens do beneficiamento da cadeia produtiva e teve acesso aos equipamentos necessários para o cultivo. Em um intercâmbio realizado na cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, relembra o jovem apicultor, foram apresentadas as vantagens e a forma de beneficiamento da cera alveolada. “A gente viu um momento em que o rapaz estava mostrando as vantagens de ter a cera e dando as dicas e dizendo a qualidade e a quantidade do mel que ia aumentar, a gente reutilizando a cera das abelhas”, relembra. 

O beneficiamento da cera alveolada também foi tema de outro intercâmbio realizado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus Bananeiras. No evento, a Rede de Jovens Apicultores/as da Borborema foi recebida pelo Técnico em Agropecuária da Universidade, Sebastião Pereira. Para os/as produtores/as de mel, o intercâmbio marcou o início do trabalho com a cera alveolada, que até então, não era aproveitada. Segundo o técnico, a vantagem do beneficiamento pode ser ainda maior, se as famílias aproveitarem os favos envelhecidos e os favos dos ninhos.

“Por exemplo, na primeira coleta de mel, o apicultor só aproveitou a cera de opérculo. Aí ele vai devolver essa melgueira na colmeia, ele vai utilizar noutra safra. Aí o que é que acontece: esse favo vai escurecendo. Com o tempo, ele vai ter que trocar não só o opérculo, vai ter que trocar toda a cera da melgueira. E também na parte do ninho, esses favos que estão lá, que a abelha está realizando a postura, com um tempo também vai envelhecendo e vai ter que fazer o beneficiamento também. Como é um produto comercial, ele pode está agregando à fonte de renda dele,” explica Sebastião. 

O intercâmbio de experiência é uma das estratégias essenciais para a convivência com o Semiárido. A troca dos conhecimentos dos/as jovens produtores/as de mel com os técnicos da UFPB deu início a um novo saber capaz de tornar a cadeia produtiva do mel na região da Borborema ainda mais sustentável. 

“É uma oportunidade de sentar, de conversar, de trocar experiência. Às vezes, eu aprendo muitas coisas com eles, às vezes eles deixam muita informação. Às vezes, eles chegam no laboratório um pouco acanhado, mas quando veem as ferramentas de trabalho, fumegador, roupão, já começam a ficar tudo à vontade, começam a dizer nessa área aqui eu domino, aí começa a troca de experiência”, ressalta Sebastião. 

Além da economia de cerca de R$ 90 por cada quilo de cera, reaproveitamento é garantia de qualidade - Foto: Acervo AS-PTA

É preciso fechar o ciclo - Toda a cultura tem o seu ciclo. No caso da apicultura, este ciclo se fecha com a reciclagem da cera. Se o apicultor/a depender da compra de cera, o custo da produção vai ficar alto e a colmeia não irá sustentar a sua própria produção. “Na apicultura, você tem que fazer aquela colmeia fechar o ciclo de produção. Você tem que fechar o ciclo de produção que é a substituição da cera bruta, a reciclagem, a laminação e depois a devolução novamente na caixa. Se o agricultor for depender do insumo externo, não viabilizar a colmeia, vai ficar muito caro,” recomenda.

Outra grande vantagem de reutilizar a cera é em relação a quantidade de mel colhida. “Cada abelha consome em média 6 kg de mel para produzir um 1 kg de cera. Então, esses quilos de mel que vai usar para produzir a cera, se você fizer o beneficiamento, você já ganhou. Ela vai pegar esses quilos de mel que ela ia usar para fazer a cera, já vai armazenar na melgueira para você coletar. E se você jogar essa cera fora, vai estar jogando dinheiro fora, né?”, orienta.

Procedência garantida - Quase sempre, o alto preço da cera leva os/as produtores/as a optarem por produtos mais baratos, que podem ser encontrados na internet, por exemplo. Em alguns destes casos, são vendidas ceras com parafinas, ou seja, adulteradas. “Esta cera não é apropriada. O apicultor tem que procurar produzir a sua própria cera e caso não consiga tem que procurar pessoas idôneas para fazer esta aquisição. A cera quando é adulterada com o uso da parafina, por exemplo, prejudica o ciclo, pois ele pode utilizar uma vez, pode ser que as abelhas aceitem, mas não será possível derreter porque como está adulterada não vai conseguir derreter [para reutilizar] novamente”, alerta. 

Logo no início da produção, Delfino relembra que amargou prejuízos com a compra de cera produzida por terceiros. “Aqui mesmo eu cheguei a comprar, ano passado, eu comprei a 45 reais uma cera de baixa qualidade, tive prejuízo. Já esse ano eu não comprei nada de cera, graças a Deus eu tenho [cera] que foi produzida daqui mesmo”, recorda. Quem está iniciando na produção de mel e decide comprar a cera deve ficar atento a qualidade do produto para não adquirir cera adulterada, que traz prejuízos à produção. 

A estrutura de beneficiamento - O reaproveitamento da cera alveolada não exige uma infraestrutura complexa. É preciso ter um equipamento derretedor de favos, um laminador de cera e um cilindro alveolador. Os demais equipamentos, a exemplo da caixa que resfria a cera e das tábuas laminadoras, podem ser adquiridos em qualquer pequeno comércio local. Na região da Borborema, há ao menos três maneiras de se realizar o beneficiamento da cera: utilizando os equipamentos do Fundo Rotativo Solidário, sendo membro da Rede de Jovens Apicultores/as da Borborema; e por meio de parceria com a UFPB, campus Areias e Bananeiras. 

“A gente tem alguns equipamentos que a gente usa em Fundo Rotativo, tipo a centrífuga, tem mais de uma, que sempre que o agricultor precisa, usa e depois que faz todo o seu trabalho vai lá e devolve. Também tem o derretedor de cera. Como tem alguns apicultores/as que não faz parte do grupo, eu pego a cera dos apicultores aqui na região, faço o derretimento deles e aí quando eu tenho bastante cera ou eu mando para a Universidade de Areias ou mando para um apicultor aqui em Areial”, para que ele faça a  alveolação”, informa Delfino. 

No campus da UFPB Bananeiras, o beneficiamento da cera funciona por meio de porcentagem. “Aqui na Universidade a gente trabalha com a porcentagem de 25% de cera. Por exemplo, se ele trouxer 1kg de cera bruta, a gente faz o beneficiamento aqui e ele leva 750 gr de cera alveolada”, detalha Sebastião.