22 de Maio - Dia do/a Apicultor/a
21.05.2021
“A apicultura é um exemplo de cuidado com a natureza e com o próximo”, afirma Marcelânea Machado, jovem apicultora de Queimadas (PB)
Com uma experiência de 16 anos na criação de abelhas, Marcelânea Machado acredita que lidar com o animal ensina as famílias do Semiárido a se organizarem e lutarem por cidadania

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Por Adriana Amâncio - Asacom

A jovem apicultora e uma das coordenadoras da Rede de Jovens Apicultores/as da Borborema, Marcelânea Machado, facilita intercâmbio com outros/as produtores/as - Foto: Acervo ASPT- A

Ainda bem pequena, no Sítio Serra Alta, região rural do município de Queimadas (PB), a jovem apicultora Marcelânea Machado via o pai cumprir um ritual diário: sair para trabalhar “alugado”, por uma diária “bem baixa” por sinal, e, à noite, ao chegar, ia colher o mel das abelhas, atividade que complementava a renda da casa. Aos dez anos, ela começa a ajudar o pai, que não deixou de ensinar, segundo ela, nenhum detalhe de como fazer o melhor manejo das abelhas. Na época, o trabalho era rústico, sem equipamentos, e as ferroadas eram enfrentadas na “raça”. Apenas dois anos depois, após partilhar as colmeias com outro apicultor, a família teve acesso aos equipamentos de segurança, fazendo rodízio com o novo parceiro de cultivo.

Hoje, 16 anos depois, ela se diferencia na apicultura por diversas razões. Primeiro, porque é uma das poucas jovens mulheres a desempenhar o trabalho; segundo, por que é uma referência no compartilhamento da sua experiência na área em intercâmbios e outras atividades formativas; e terceiro, porque aliou o conhecimento técnico com a formação política e, hoje, é uma das coordenadoras da Rede de Jovens Apicultores/as do Polo da Borborema.

"A gente, às vezes, escuta: ‘ah, você é a única mulher jovem que gosta de fazer, que gosta de trabalhar com a apicultura, que tem coragem de trabalhar com apicultura! Porque tem homens que não têm coragem de fazer apicultura, imagina mulher!’ Depende do interesse da pessoa, o meu interesse sempre foi… me virar!  Eu não sei qual é o meu medo. Tenho que descobrir do que eu tenho medo ainda”, afirma Marcelânea.

Medo e limitação realmente são duas palavras que não existem no vocabulário de Marcelânea, que ampliou a sua experiência produtiva para além da apicultura. “Eu mesmo crio ovelhas, comprei uma chocadeira, agora, comprei uma moto forrageira para auxiliar na alimentação dos meus animais”, reforça.

Rede de Jovens Apicultores/as da Borborema fortaleceu a geração de renda e articulação política das juventudes - Foto: Acervo ASPT-A

Ampliando a visão sobre o valor da apicultura_ A habilidade de Marcelânea com o cultivo de abelhas se fortaleceu bem mais em 2015, ano em que a jovem recebeu o convite para entrar no Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Queimadas, na região da Borborema. Como forma de incentivar as atividades produtivas desempenhadas pelos/as jovens agricultoras/es, o Sindicato se organizava em núcleos produtivos. 

Na época, Marcelânea passou a integrar o Núcleo de Reflorestamento, formado por apicultores/as e viveiristas. Neste espaço, cada produtor/a recebeu equipamentos de segurança, caixas e viveiros para produção de espécies da flora que alimentam as abelhas, além de uma centrífuga usada no beneficiamento dos produtos. O grupo ainda foi contemplado com capacitações e intercâmbios sobre manejo de abelhas.

A consolidação da experiência veio por meio da criação da Rede de Jovens Apicultores/as da Borborema. No total, são 26 integrantes entre apicultores/as, viveiristas e criadores/as de animais, que pertencem aos municípios de Queimadas, Remígio, Areial, Esperança, Solânea, Montadas e Lagoa Seca. O espaço, coordenado pela jovem Marcelânea e por Edson Johny, conta com apenas quatro jovens mulheres. A articulação surgiu no âmbito do Polo da Borborema, uma rede formada por 13 sindicatos e outras cerca de 150 organizações que trabalham pela convivência com o Semiárido. 

O núcleo geral, composto por representantes de cada uma destas redes, se reúne periodicamente para discutir demandas e projetos de interesse dos/as jovens produtores/as. Com a pandemia, as atividades estão sendo realizadas de forma online, porém, mantendo a periodicidade bimensal. Além de integrar a coordenação, a jovem apicultora facilita oficinas e recebe grupos de produtores/as em intercâmbios. Ela conta que a experiência política e técnica aprofundou a sua visão sobre o valor da apicultura.

“Quando a gente começou, [a apicultura]  era uma das rendas principais, apesar de que naquela época o valor do litro de mel era muito baixo. Hoje, continua sendo uma renda importante, a diferença é que antes a gente colhia mais porque o inverno era bem melhor. A apicultura é um símbolo de superação, de busca, de luta, de força, de organização. Se a gente for parar para ver uma colmeia, vamos ver que ela é extremamente organizada e a gente vai tirando isso pra nossa vida. É um símbolo de cuidado com a natureza e com o próximo. É uma alternativa de renda para que os jovens não viagem para fora e se tornem escravos das empresas nas grandes cidades. Fugindo da questão da renda, as abelhas são muito importantes, pois sem abelhas não podemos viver por muito tempo”, reflete.

Por meio do Fundo Rotativo Solidário, jovens apicultores/as garantem a compra de equipamentos para manter a produção - Foto: Acervo ASPT-A

Sustentabilidade financeira _ Com o intuito de não depender exclusivamente dos projetos sociais e das políticas públicas oriundas das gestões municipais, estaduais e federais, a Rede de Jovens Apicultores/as criou um Fundo Rotativo Solidário. O seu funcionamento é garantido pela contribuição mensal de R$ 5 realizada por cada participante. Mensalmente, as/os colaboradores/as se reúnem para decidirem como o recurso será investido. Os critérios de discussão envolvem as demandas do grupo e a possibilidade da aquisição assegurar um benefício coletivo. 

“Pode chegar um dia da pessoa precisar comprar o seu equipamento e não ter como comprar. Então a gente reúne o Fundo Rotativo Solidário, decide como vai fazer para comprar o equipamento para a pessoa não ter que parar de produzir. E como a gente sabe que tem mudanças de governo e geralmente os projetos nem sempre acontecem de novo, então já que a gente estava na dinâmica, precisava se preparar. E também para incluir outros jovens, pois se aparecer um jovem que queira criar, a gente pode reunir o fundo e comprar equipamentos também, desde que ele [o grupo] decida”, esclarece.

As dificuldades enfrentadas _ Mesmo quem não utiliza agrotóxicos nas plantações, mas cultiva abelhas próximas a regiões onde há presença de pesticidas, pode sofrer com impactos na produção. Este é o caso de Marcelânea, que mantinha apiários em áreas próximas a grandes fazendas da região. O uso dos agrotóxicos nestas áreas acabou com os enxames da jovem. Além disso, o desmatamento promovido nestas regiões também afastou as abelhas em função da ausência de flores para a polinização. A escassez de chuvas dos últimos anos foi a gota d’ água dentre os fatores que reduziram a produção.

“As abelhas pousam em todas as árvores que estiverem ali perto da sua colmeia. A gente busca preservar elas em nossa propriedade, mas não é suficiente e quando a gente tem o acesso a uma planta que está com veneno, acaba prejudicando também. Antes, a gente costumava colher quatro vezes no ano, 160 litros em cada vez. Mas, agora, a gente tira duas vezes no ano. Choveu, as plantas vão florescer, a gente espera um período e colhe, se não chover, as plantas não vão dar flores e, com isso, a gente diminui ou até mesmo não colhe”, explica.  

O dono da grande fazenda localizada nos arredores da área de Marcelânea faleceu e os filhos que assumiram a propriedade interromperam o uso do veneno. Segundo a jovem, “o desmatamento na área foi grande, por isso, nem tem onde colocar mais veneno”. Uma estratégia adotada pela Rede de Jovens Apicultores/as para combater a derrubada da Caatinga é a produção e o plantio de mudas, desenvolvida pelos próprios apicultores/as que também são viveiristas. Além disso, todo o cultivo realizado pela rede é livre de agrotóxicos. As duas coletas de mel anuais acontecem sempre entre os meses de maio e junho, após a primeira florada; e de outubro e dezembro, ao final da segunda florada. A quantidade total de mel fica em torno de 120 a 150 litros.