Auxílio Emergencial
07.03.2021
Para as mulheres do Semiárido, o auxílio emergencial é água para saciar a sede e comida para matar a fome

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Por Adriana Amâncio

Foto: Acervo Pessoal

 

A volta do auxílio emergencial representa sobrevivência para as mulheres do Semiárido e suas famílias. De um total de 28,9 milhões de famílias chefiadas por mulheres no Brasil, aquelas que possuem crianças entre 0 e 14 anos somam 55% da parcela total que vive em situação de pobreza, revela a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE. Mergulhando no Semiárido, a condição de vulnerabilidade das mulheres também é anterior à pandemia e tem causas específicas. “Nos últimos anos, políticas importantes, como o PAA, PNAE e o P1MC foram desmontadas, trazendo insegurança alimentar e hídrica. Com a pandemia, muitas mulheres reduziram ou perderam a sua renda vinda da produção e do beneficiamento dos produtos”, afirma a integrante da coordenação Executiva do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), Aline Carneiro.

Diante deste cenário, a proposta do Governo Federal de retomada do auxílio emergencial mostra-se distante de atender a todas as pessoas que precisam. Com a aprovação, pelo Senado Federal da PEC 186, ontem (4) , a chamada PEC Emergencial, o auxílio deve ser pago pela Cláusula de Emergência. Neste formato, estão previstos R$ 44 bilhões para a renda básica, com parcelas entre R$ 250 e R$ 300 por pessoa. Os R$ 44 bi correspondem a apenas 15% do valor destinado ao auxílio emergencial no ano passado. Essa queda sinaliza que, além de reduzir o valor das parcelas, muitas mulheres que precisam do benefício devem ficar de fora . O texto será submetido ao Congresso Nacional para votação em dois turnos por se tratar de uma Proposta de Emenda Constitucional.

“A PEC atual representa uma redução drástica, criminosa, no recurso total para o pagamento do benefício. Isso significa dizer que milhares de brasileiros e brasileiras não serão contemplados com o novo auxílio emergencial. Qual será o critério para escolher quem vai passar fome e quem não vai? O auxílio emergencial de R$ 250 é insuficiente para atender a demanda alimentar de uma família e para as mulheres do Semiárido que não possuem cisternas e precisam comprar água para o consumo. Nós, do movimento social, estamos lutando pelo mesmo valor do auxílio anterior, R$ 600 e R $1.200 para as mulheres chefes de família”, comenta Aline.

“Este valor corresponde a 20% do salário mínimo atual. O que é que dá para fazer com este valor? Qualquer valor abaixo de R$ 600 é inaceitável, pois estamos no pior momento da pandemia, não pode agora o valor ser menor do que foi na segunda fase do auxílio, com R$ 300. Temos que por pressão na Câmara! A população pode pressionar os deputados nos seus estados a alterarem este teto de R$ 44 bilhões e garantir um orçamento que permita o pagamento da parcela de R$ 600”, destaca a coordenadora da Assessoria Política do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Nathalie Beghin.

Por que o auxílio é essencial para elas? - A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Pnad Contínua de 2016 revelou que os cuidados com as pessoas foi uma atividade realizada por 90,6% das mulheres. “Sem alternativas para gerar renda e com medo de contrair a Covid-19 e de contaminar crianças e idosos, as mulheres têm a sobrevivência ameaçada. Por isso, o auxílio emergencial está ligado à manutenção da vida, à compra de comida e água”, defende Aline.
Quem tem sentido no estômago a falta do auxílio é a agricultora familiar Maria Lenice, de 24 anos, casada, mãe de um bebê de três anos e nove meses e moradora da comunidade Barrocas, área rural de Caetés, no Agreste de Pernambuco. Com a queda no movimento da feira onde ela comercializava feijão de corda e macaxeira, foi necessário parar de vender os produtos.

Entre os meses de março e dezembro de 2020, a comida na mesa foi garantida com a renda do auxílio emergencial. Com o fim do benefício, a situação de Lenice e da família ficou delicada. “Hoje, o dinheiro do Bolsa Família, R$ 230, só garante uma semana de alimentação. Depois disso, a gente vive da doação de alimentos da minha sogra e dos meus pais. Está muito difícil. É bom que o auxílio volte com o valor de R$ 600 para ajudar nós que somos do campo, que precisamos de alimento”, desabafa Lenice. Antes da pandemia, a renda da família de Maria Lenice era de R$ 700, somados ao lucro da feira com o valor da Bolsa Família.

Um retrato da realidade - O que Lenice conta ilustra a forma como o auxílio emergencial foi utilizado pela maioria das mulheres e pela população em geral. O programa ‘A casa é sua', realizado pela Campanha em Defesa da Renda Básica e divulgado pelo Youtube, informou que 53% das pessoas, que acessaram o auxílio emergencial, o utilizaram para comprar comida e 25% para pagar contas domésticas.
Por esta razão, as mulheres chefes de famílias com crianças, que representam mais da metade dos lares em situação de pobreza, são as que mais sentem o corte da renda básica emergencial.

A renda emergencial também impactou na condição socioeconômica das mulheres negras, reduzindo a diferença de renda entre as famílias chefiadas por elas em comparação com as famílias chefiadas por homens brancos. Antes, eles ganhavam quase o triplo da renda delas. Com o auxílio, esta diferença caiu para o dobro. Os dados são do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made).

PEC Emergencial x Decreto de Calamidade Pública_ O retorno do auxílio emergencial foi condicionado à PEC Emergencial para ser pago por meio da Cláusula de Calamidade, sem infringir as regras fiscais básicas: Teto de Gastos, Equilíbrio Primário e Regra de Ouro. Além disso, a PEC extingue a obrigação dos governos estaduais de investir 12% do orçamento na saúde e 25% na área de Educação. Já o Governo Federal, deve investir 15% e 18% respectivamente. A PEC prevê também a proibição de promoções de funcionários e a realização de concursos públicos.

A primeira rodada do auxílio emergencial, que beneficiou 68 milhões de pessoas em situação de pobreza, foi garantida, por meio de decreto de Estado de Calamidade Pública no país devido à pandemia (Decreto Legislativo nº 6 de abril de 2020). Esta condição permitiu que o Governo Federal emitisse dívida pública desvinculada das três regras fiscais básicas: Teto de Gastos, Equilíbrio Fiscal e Regra de Ouro.

“O governo emitiu cerca de R$550 bilhões em dívidas, dos quais aproximadamente R$ 300 bilhões foram gastos com o auxílio em Decreto de Calamidade Pública emergencial. Se fosse um governo mais organizado, teria gerido melhor o recurso. Mas como não é o caso, houve uma sobra de R$ 29 bilhões, que por não ser colocada na condição de restos a pagar, voltou para o Tesouro Nacional e não pôde retornar à renda básica emergencial. Este valor poderia beneficiar mais pessoas com o auxílio emergencial ou manter o valor de R$ 600 por mais tempo”, explica Natália .Ainda segundo Nathália, “o melhor caminho seria aprovar um novo Decreto de Calamidade Pública, uma forma do governo reconhecer a gravidade da pandemia no Brasil”, defende.

Retorno do auxílio emergencial na pauta dos movimentos sociais - A retomada do auxílio emergencial para todas as pessoas, incluindo as famílias agricultoras, é um dos pontos de destaque da carta convocatória da Articulação Semiárido Brasileiro, ASA Brasil, que considera a renda um “instrumento de segurança alimentar”. No documento, a Articulação reivindica a continuidade do auxílio até o fim da pandemia, atendendo a todas as pessoas que precisam, incluindo as famílias agricultoras que não acessaram este benefício em 2020.

O documento ainda reforça que o auxílio emergencial “é uma alternativa à fome e ao desemprego”. Estes dois últimos problemas, somados à sobrecarga de trabalho das mulheres que aumentou no último ano, define com maior precisão o que tem sido a pandemia nas vidas das mulheres. “A ASA convocou as organizações integrantes a se mobilizarem e defenderem publicamente a vacinação e a volta do auxílio emergencial. Nós do MMTR-NE temos nos somado a essa luta, defendendo essa pauta. Nossa forma de se mobilizar e protestar ganhou nova forma, agora, nas redes sociais, as mulheres trabalhadoras rurais vem dialogando, mas a luta continua firme e forte. Como já dizia Margarida Maria Alves, é melhor morrer na luta, do que morrer de fome!”, conclui Aline Carneiro.