ASA
15.08.2020
ASA, Fiocruz e Consórcio Nordeste realizam webinário sobre o Covid-19 no meio rural
Iniciativa inaugura um ciclo de encontros para construir coletivamente procedimentos para a volta do trabalho de campo das organizações da ASA

Voltar


Uma parte dos participantes do debate virtual

Ontem (14), pela manhã, a ASA, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Consórcio Nordeste - fórum que reúne os governadores e a governadora da região - fizeram um debate público com o tema "Os impactos da corona vírus no meio rural semiárido: realidades, desafios e perspectivas". O debate foi transmitido via plataforma Zoom e pelo Youtube da ASA, onde o debate está disponível para ser visto por quem não pode acompanhar ao vivo a discussão ou quem quer rever.

Este momento abre alas para um ciclo de encontros de formação, que serão feitos pela ASA e Fiocruz para construir procedimentos, estratégias e caminhos, para a volta ao trabalho por parte das equipes técnicas das organizações garantindo a proteção das comunidades e dos/as profissionais. O primeiro encontro acontece na próxima quinta-feira (20) e é voltado para as organizações que executam os programas da ASA e também para os agentes comunitários de saúde que atendem as comunidades onde as instituições atuam.

No webinário de sexta-feira passada, o Consórcio Nordeste foi representado pelo Fórum dos Secretários de Agricultura Familiar e o Comitê Científico, criado em março deste ano, no início da pandemia, para municiar os/a gestores/a estaduais de informações científicas e formular recomendações para ações imediatas de enfrentamento da pandemia e mitigação de seus impactos.

No debate, a ASA foi representada por Cristina Nascimento, integrante Coordenação Executiva Nacional da ASA pelo estado do Ceará, e por Antônio Barbosa, coordenador de programas da ASA que favorecem o estoque de sementes crioulas e de água para produção de alimentos, além de coordenar uma iniciativa internacional que a Articulação inicia este mês em parceria com uma rede de organizações sociais da América Latina e com o FIDA, o projeto Daki-Semiárido Vivo.

A Fiocruz participou do webinário por meio do médico sanitarista Jorge Machado e do pesquisador da Escola Joaquim Venâncio, Alexandre Pessoa. E do Consórcio Nordeste estiveram presentes o coordenador do Comitê Científico, Sérgio Resende;  o médico sanitarista e diretor do Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz, Sinval Brandão; e o secretário do Desenvolvimento Agrário do Ceará, Francisco de Assis Diniz.

O debate tinha como perguntas norteadoras três questões: O que significa dizer que é possível conviver com o novo coronavírus? Qual o lugar e papel da sociedade civil organizada e do Estado neste processo? O que podemos fazer juntos de forma emergencial e estruturada?

Na sua fala inicial, Cristina Nascimento afirmou: "No Semiárido [rural], para algumas famílias está sendo possível conviver com o isolamento porque construímos esta possibilidade". E mais adiante, acrescentou que a convivência com a região pressupõe "estrutura, investimentos, políticas públicas que permitam passar por momentos adversos como este agora".

Cristina também destacou a necessidade de politizar o debate sobre a pandemia, ao dizer que ela só está revelando as desigualdades sociais. "Na Caravana do Semiárido contra a Fome, quando denunciamos o perigo do retorno do Brasil ao Mapa da Fome [em agosto de 2018], a gente sabia que o cobertor já estava curto", diz ela se referindo à existência da fome e à ameaça de crescimento dela junto à população mais pobre do Brasil e, principalmente, do Semiárido.

Cristina destaca que só há necessidade de distribuição de cestas básicas porque o Brasil não avançou, nos últimos tempos, no sentido da superação da fome. O papel da sociedade civil na arrecadação de alimentos e mobilização de iniciativas de solidariedade não é natural. "É resultado dos cortes drásticos do orçamento para o Semiárido".

A representante da ASA também salientou que as políticas que precisam ser reafirmadas no cenário de pandemia e pós pandemia "são as que pautam a produção agroecológica e a oferta destes alimentos para a sociedade. Que pautam o acesso ao SUS como possibilidade de vida. Devemos pautar a distribuição da vacina para as populações do campo e as comunidades tradicionais. Nossa pauta traz a centralidade da vida com dignidade. Queremos permanecer no lugar [o Semiárido rural] resistindo ao Covid e aos retrocessos".

Um dos representantes do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, Sinval Brandão, destacou em sua fala a escala do problema e o esforço que está sendo feito para superá-lo em todo mundo. No Brasil, ele reconheceu a situação de fragilidade do país para enfrentar esta pandemia.

Já o secretário De Assis, coordenador do Fórum de Secretários da Agricultura Familiar do Consórcio Nordeste, destacou pautas e programas assumidos pelo fórum de governadores/a com relação ao acesso à água pela população rural e à compra governamental de alimentos da agricultura familiar para doação à populações vulneráveis das cidades. Água e alimento, elementos essenciais para o enfrentamento desta pandemia. Sobre o acesso à água, o secretário trouxe uma notícia alentadora: a incorporação do Programa Um Milhão de Cisternas às pautas prioritárias do Consórcio Nordeste.

Alimento, água, sabão e máscara para enfrentar este tempo de pandemia | Foto: Arquivo Fetape

A centralidade da água, da agroecologia, do alimento e da comunicação foram pontos destacados na fala de Jorge Machado, representante da Fiocruz. Ele ressaltou muito a importância da narrativa  para ajudar a superar os desafios da pandemia, que traz a necessidade do isolamento social. "É preciso trazer as pessoas ao debate da saúde. O cuidado e a responsabilidade são agora solidárias. Não é por mim que faço. É pelo outro". Segundo ele, a discussão sobre o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) passa pelo sentimento de cada um. Não é uma questão de dizer que é preciso. É necessário entender a rejeição das pessoas em usar a máscara e dialogar a partir disto.

Acabadas as falas dos convidados, foi aberto espaço para a interação dos ouvintes. E as questões que vieram à tona testemunhavam a eminente volta do trabalho de campo pelas organizações de fortalecimento da agricultura familiar que integram a rede ASA. O que é preciso fazer para que volta seja segura para as comunidades e para quem as visita a trabalho? Outro ponto trazido é o aumento da violência doméstica contra a mulher e do trabalho dentro de casa.

Paciência pedagógica e uma boa comunicação - Um dos pontos falados repetidas vezes pelos representantes da Fiocruz diz respeito ao uso das máscaras. "Como orientar um trabalhador rural a usar máscara no dia a dia? Essa é uma questão cultural", acrescenta Cristina Nascimento, emendando: "Não podemos construir uma cisterna à distância".

Barbosa, por sua vez, abordou o isolamento social das famílias rurais do Semiárido a partir de outra perspectiva. Segundo ele, estas famílias vivem desde sempre um estado de isolamento que produzia fome e miséria, por estarem isoladas e esquecidas do Estado. E aí, ele coloca o retorno dos trabalhos das organizações de apoio ao fortalecimento da agricultura familiar como uma necessidade para as famílias saírem do isolamento que sempre tiveram.

Uma das instituições da ASA que acompanhava o debate, a Sertão Verde, assim como outras organizações da ASA no Rio Grande do Norte, construiu um protocolo para orientar a volta do trabalho em campo a partir da escuta das Secretarias Municipais de saúde, dos agentes comunitários de saúde e das lideranças comunitárias. Leonardo Freitas compartilhou como o protocolo foi construído e falou dos cuidados que a instituição está tomando para retomar os trabalhos.

Para Jorge, a primeira chave para construir esta volta ao trabalho é informar, comunicar, construir orientações. Num cenário que muda a todo instante, Jorge destacou que estamos lidando com o aprendizado em lidar com a pandemia.

Segundo o médico sanitarista da Fiocruz, é possível fazer a distribuição universal da vacina em dois a três meses, o que deve acontecer no início do ano que vem. "Até lá, temos que aprender a conviver. A gente sabe fazer a disputa de narrativa, tem o Candeeiro [boletim da ASA com histórias de famílias rurais que estão aprendendo a conviver com o Semiárido], sabe distribuir alimentos..."

Para Alexandre Pessoa, da Fiocruz, que dividia a coordenação do webinar com Antônio Brabosa, da ASA, é preciso investir em informações e ter paciência com quem não segue as recomendações. "Não é para colidir. Lembrem-se da pedagogia do exemplo e das perguntas", orienta ele, dizendo que as máscaras têm dupla função: proteger da contaminação e lembrar que estamos vivendo um momento diferenciado e que é preciso ter algumas medidas como lavar sempre as mãos, usar a máscara e manter o distanciamento de dois metros de qualquer pessoa na rua. "A fragilidade do vírus está no uso do sabão. Ele tem uma membrana de gordura que se desfaz com o sabão. Precisamos de água, sabão e de educação e comunicação".