ASA
08.07.2020
Câmara adia pela terceira vez votação do PL da Agricultura Familiar e aumenta risco de falta de alimentos
Apresentado há quase quatro meses, projeto de lei 735 tramita em regime de urgência e prevê garantias para a produção de alimentos por produtores rurais impactados pelas restrições impostas pela pandemia

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Por Thadeu Melo, Comunicação da ANA

Para o Brasil não pode correr risco de ter falta de alimento.

Adiada pela terceira vez, a votação do Projeto de Lei 735/2020, chamado de PL Emergencial da Agricultura Familiar, aumenta o risco de desabastecimento de alimentos nos próximos meses no Brasil, segundo organizações e movimentos do setor.

Responsável pela produção de mais de 70% dos alimentos consumidos no país, a agricultura familiar sofreu impactos econômicos e logísticos severos, desde o início da pandemia do novo coronavírus, principalmente devido às medidas de restrição de circulação, do fechamento de comércios e feiras livres e à suspensão de compras públicas por estados e prefeituras.

“É urgente que o Congresso Nacional vote as medidas de apoio à agricultura familiar, para que produtores de todo o país tenham recursos para se planejar e garantia de que haverá mercado para os alimentos que produzirem”, diz Denis Monteiro, agrônomo e secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

O projeto, que pode ser votado nesta quinta-feira (9) ou na terça-feira (14), apensa outros 25 projetos construídos pelos movimentos populares e organizações sociais e partidos progressistas. Entre as organizações envolvidas, estão, além da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

“O relator do projeto, deputado Zé Silva, formulou uma proposta que, de certa forma, avança na necessidade de ter um apoio emergencial específico para a agricultura familiar, mas ainda está muito distante das propostas e reivindicações feitas pelas entidades e pelos movimentos”, diz o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP).

“Estamos tentando fazer os ajustes no relatório, para ver o que ele aceita avançar mais na perspectiva daquilo que as entidades e movimentos pediram, e o que não for contemplado nesse relatório, nós vamos apresentar destaques contemplando as reivindicações na forma como foi formulado pelas entidades e movimentos”, explica o deputado, acrescentando que, em geral, a estratégia dos destaques não tem conseguido êxito nas votações da Casa, por isso que seguem fazendo pressão para que o relator incorpore as demandas dos movimentos do campo diretamente ao relatório.

Dentre as propostas não contempladas pelo relator estão os recursos específicos para a construção de cisternas no Semiárido, região conhecida pela escassez de água e onde se concentra a metade das unidades produtivas classificadas como da agricultura familiar.

A proposta também desconsiderou verbas para a aquisição de sementes e mudas e reduziu em 60% os valores propostos para o Programa de Aquisição de Alimentos Emergencial (PAA-E), e em 50% o recurso proposto para fomento, além de outras exclusões.

Para Alexandre Conceição, da direção nacional do MST, é crucial que a sociedade entenda a importância do PL e das ressalvas dos movimentos populares. “Esse momento é fundamental, devemos seguir mobilizados e pressionar em favor da votação do texto PL com a inclusão das nossas propostas que abrangem a linha de crédito exclusiva para agricultura familiar, para as mulheres e fomento ao PAA (Plano de Aquisição de Alimentos) e comercialização”, afirmou.

As entidades argumentam ainda que, além das dificuldades tradicionais da agricultura familiar, sujeita às adversidades climáticas, à precariedade da infraestrutura de transportes, à falta de crédito para incentivo do setor, o segmento enfrenta hoje os desafios impostos pela pandemia.

Alexandre Henrique Pires, da coordenação executiva nacional da ASA pelo estado de Pernambuco salienta que, além de tudo, o relatório apresentado não contempla medidas duradouras de combate à crise que chegou ao ápice em todo país com a crise coronavírus.

“A miopia política não permite enxergar que não dá para pensar em iniciativas para a agricultura familiar e o Semiárido sem pensar no contexto da água. Essas iniciativas são pensadas para um contexto de emergência, mas, também, devem seguir no pós-pandemia considerando os efeitos gerados na vida e na economia da população camponesa”, disse.

Para o Brasil não passar fome - Estudos com base em dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outras instituições já dão conta que os estoques médios de alguns alimentos no Brasil estão aquém do índice mínimo de segurança alimentar necessário para o país, que gira em torno de 20% do consumo anual.

A pandemia, somada a crise econômica, aumenta o risco do abastecimento alimentar, que faz crescer o valor dos alimentos afetando, principalmente, as famílias mais pobres. Segundo o IBGE, o Índice de Preço Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA Geral), no acumulado do período de janeiro/abril deste ano, variou 0,22% e o da “alimentação no domicílio”, 3,94% - 18 vezes mais que o índice geral.

Em alguns alimentos, como a cenoura, o preço pago pelo consumidor final chegou a ser 441 vezes maior que o IPCA Geral, ressalva para a sazonalidade da produção. O tomate, batata, feijão e banana, que estão na dieta principal das famílias brasileiras, tiveram um salto de 52%, 42%, 23% e 20%, respectivamente, no preço pago pelo consumidor. E se não houver medidas de fortalecimento para a produção de alimentos, a probabilidade é que a inflação continue a aumentar.

*Com informações da Página do MST