Histórias do Semiárido
04.03.2020 MG
Mãe, produtora rural, sorridente e atenciosa

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Por Nilmar Lage

Foto: Nilmar Lage. No final do texto, acesse um link para um álbum com mais fotos!
“Meu sonho era plantar alface, todo mundo planta alface e dá”. Em pleno 2020 esse foi o relato, quase um desabafo, dado por Rosilene Borges em Varzelândia, norte de Minas Gerais. A família de Rosilene é uma das assistidas pelo Programa Uma Terra Duas Águas (P1+2). Mulher de fibra, ela tem 46 anos e é mãe de sete filhos, o mais novo está com um ano e meio e é ela quem cuida da casa, do bebê e dos outros dois filhos menores: Bruno de nove anos e Bruna de 12 anos. O marido e três filhos estão trabalhando em São Paulo, na data da nossa conversa havia mais de três meses que ela não recebia notícias e nem ajuda deles. Contudo, Rosilene não se abate. Enquanto conversávamos ela não perdia o foco no pequeno Samuel, cuidava do almoço e transbordava simpatia e alto-astral.
 
A família mora na comunidade Cruzeiro, local onde Rosilene nasceu e cresceu. “Vixe moço, desde que eu nasci que eu vivo nessas terra aqui”. Ela disse que não é de sair muito, que prefere ficar em casa e cuidar dos afazeres. Ainda mais agora que é ela quem fica responsável por cuidar sozinha da família, tocar os benefícios do projeto e cuidar da horta. “Minha renda do bolsa família era R$ 379. Meu menino que estava estudando foi para São Paulo e eu fui lá para recadastrar e meu recurso caiu para duzentos e pouco. Eu tenho que tá se virando com o pouquinho que estou recebendo. Não está tendo serviço e eu não posso sair para longe por causa dos meninos”, disse a mãe.
 
O P1+2 é uma das ações de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido, desenvolvido pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) e no caso de Varzelândia, em parceria com a Cáritas Brasileira. O objetivo é promover a soberania, segurança alimentar e nutricional, além da geração de emprego e renda para famílias do Semiárido. A tarefa não é simples e depende da mobilização e envolvimento de todas e todos beneficiados que tem acesso a manejo sustentáveis da terra e da água para a produção de alimentos. São XXXX famílias que receberam recursos para construírem suas cisternas de enxurrada ou terreirão e a caixa d`água para armazenar a água coletada. Receberam também um recurso de fomento para compra de mudas e melhorias para manutenção das hortas. Como a cerca, que afasta animais que poderiam ciscar na horta em um momento no qual os brotos estivessem saindo da terra, comprometendo a produção. 
 
“Aqui era difícil até um ovo para comer, porque a gente não tinha cercado. Depois que fez, as galinha bota lá dentro e dá pra pegar”. Sempre sorrindo, Rosilene disse que quando as galinhas botavam no mato, os cachorros achavam os ninhos e comiam os ovos antes dela. São essas sutilezas, pequenas mudanças de infraestrutura como o cercado que ajudam a melhorar a qualidade da vida no semiárido.
 
Rosilene nos chamou para conhecer o terreirão e ver a horta. Sempre atenta, ela chama atenção de Bruno, para que ele não se esqueça de trancar a entrada da caixa d’água para evitar qualquer acidente com Samuel.  Enquanto ela fala dos cuidados com a horta, Samuel, imparável como toda criança, sobe no canteiro. Rosilene calmamente chama sua atenção: “não pisa ai não cheiroso”. Ele sai de cima da horta e pega a mangueira de aguar. Rosilene para de falar de novo e vai cuidar do pequeno.
 
Voltamos para a cozinha e ela já traz o frango que escolheu para servir no almoço. Abatido, Rosilene começa a prepara-lo com mãos ágeis que vão na água fervendo para depenar e no fogo para limpar a pele da ave. O tempero é a alma de uma ótima comida. Nesse caso ela usou alho, cebolinha, corante, cebola de cabeça e pimentão. Tudo colhido no quintal. O prato do dia era frango com macarrão, acompanhado de arroz com pequi, colhido no quintal. E farofa de feijão, colhido no quintal. Para refrescar, suco de umbu. Sim, também do quintal. Durante a feitura do almoço, Rosilene só parou um momento: para atender o Samuel e dar de mamar.
 
A oportunidade de ter toda essa variedade de alimentos frescos e cultivados sem agrotóxicos, favorece a nutrição principalmente para as crianças. As escalas de insegurança alimentar abrangem casos de alimentação de má qualidade, com excesso de industrializados e alimentos pouco nutritivos, assim as famílias do P1+2 começam a sentir os benefícios de uma alimentação de qualidade. Crianças mais dispostas e com melhor desempenho na escola, por exemplo.
 
Como a vida é cheia de desafios e aprendizados, em raros momentos Rosilene se queixa das dificuldades: “mulher sofre demais”. Bruno faz uma travessura, ela ri e continua, “eu queria ser era homem, porque mulher trabalha demais e não é valorizada. Não é todas, mas eu mesmo, o que eu faço na vida é pular daqui acolá e não tem valor de nada”. “Tem sim”, responde Bruno ao ouvir a mãe.
 
No final do ano de 2019 e início de 2020, a região de Varzelândia recebeu chuvas torrenciais e algumas hortaliças não resistiram. “A vida da gente é desse jeito, tem hora que as coisas começa a miorá, tem hora que começa a piorar também. As vezes a gente acha que ia ficar melhor do que já estavam mas...” Mas mesmo assim o lado bom é destacado ao invés do lamento, pois no semiárido a chuva é sempre abençoada. Mesmo que tenha atrasado a produção da horta, ela tem enchido as cisternas que serão utilizadas ao longo do ano.
 
Rosilene agradece e reconhece a importância dos recursos recebidos. Como está no início da plantação, ela ainda não consegue produzir para vender, mas para dar a algum vizinho que pede, tem sim. Ela disse que com a chegada da tecnologia as plantas passaram a sentir menos. Porque antes, para plantar, eles tinham que pegar água no córrego ou nos poços, que não raras vezes, costumavam secar. Como não tinha recursos como um carro de boi para buscar maior quantidade de água, suas plantas não vingavam “a gente jogava um pouquinho de água em cada planta, mas não servia pra nada. Com essa água (através da irrigação), as plantas estão fortes.
 
“A vida é desse jeito né? A vida é de idas e voltas e a gente precisa entender o que se passa nesse mundo. A força quem dá a nós é Deus. Se for pra ficar que nem um bicho bruto, a gente não guenta não.” Samuel entra na cozinha com um guarda chuva, usado nos últimos dias, e corre para perto do fogão à lenha. Bruno já está nas panelas retirando pedaços de frango e começando seu almoço.
 
“Eu passo pelo que passo e dou risada”, nos ensina Rosilene.