Ainda sem reparação
25.07.2019 MG
Crime de Brumadinho completa seis meses e consequências chegam ao Rio São Francisco
Rompimento da Barragem do Córrego do Feijão fez mais de 200 vítimas e deixou uma região em luto. Consequências ambientais e de saúde afetam a toda a população da bacia do São Francisco.

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Por Catarina de Angola - Asacom

Devastação da onda de rejeitos vista de cima, próximo ao local da barragem. | Foto: Felipe Werneck/Ibama (CC BY-SA 2.0)
“O que aquele crime da Vale causou na vida de todos nós pescadores, aqui da Bacia do Rio São Francisco, foi coisa muito horrível, que ficou em nossas cabeças, principalmente psicológico, por ver toda aquela tragédia, aquele massacre que aconteceu com vidas humanas, com animais e com o Rio Paraopeba, e com a certeza de que pouco a pouco isso ia atingir aqui a vida do Rio São Francisco”.
 
Essa fala, carregada de tristeza e preocupação, mas também de incertezas, é de Clarindo Pereira dos Santos, pescador artesanal, morador da comunidade pesqueira e vazanteira de Canabrava, em Buritizeiro, no Norte de Minas Gerais. Ele fala sobre o crime do rompimento da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, que neste 25 de julho completa seis meses, e que tem revelado consequências na vida e na saúde de milhares de pessoas e em um território que extrapola a região de Brumadinho. O município de Buritizeiro, onde vive o pescador Clarindo, por exemplo, está há quase 400 quilômetros do local do rompimento da barragem de rejeito da mineradora Vale.
 
Era 25 de janeiro de 2019, início de ano, quando o mar de lama de rejeito atingiu a comunidade do Córrego do Feijão. Seis meses depois ainda há corpos desaparecidos e a confirmação de 242 vítimas fatais. A barragem estava inativa, mas foi com muita velocidade que seus 12 milhões de metros cúbicos de rejeito chegaram ao Rio Paraopeba. “Precisamos ver os rios e suas bacias. E o Rio Paraopeba faz parte da bacia do São Francisco. Então, na nossa leitura, no momento que houve o rompimento da barragem do Córrego do Feijão e atingiu o Paraopeba, o Rio São Francisco foi atingido”, denuncia Cícero Félix, coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro pelo estado da Bahia. E é por isso que assim como Clarindo, a população como um todo da bacia do São Francisco tem sentido os efeitos do crime ambiental em Brumadinho.
Curso dos dejetos no Rio Paraopeba. | Foto: Romerito Pontes (CC BY)
 
O crime de Brumadinho aconteceu pouco mais de três anos de outro crime ambiental e que matou 19 pessoas também em Minas Gerais, na cidade de Mariana. Quando o rompimento da barragem do Fundão, da  mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP, também se rompeu e atingiu toda a região e o Rio Doce, desaguando lama de rejeito de minério no mar. Boa parte da população de Minas Gerais vive hoje em estado de alerta, pois são mais de 400 barragens de rejeitos de minérios localizadas no estado, algumas já com risco de rompimento. “O mais alarmante é que são cinco barragens da Vale que estão em nível máximo de alerta. Esse nível máximo significa que estão em iminente rompimento. São a Barragem Sul Superior, em Barão de Cocais; Forquilha I e Forquilha III, em Ouro Preto; e B3 e B4, em Nova Lima”, explica Luiz Paulo Siqueira, coordenador estadual do Movimento pela Soberania na Mineração (MAM).
 
Ele também alerta para uma situação em que as famílias que estão em locais com possibilidades de rompimento, existe uma situação de muita insegurança. “Existem cerca de mil famílias que hoje estão evacuadas devido a essas estruturas da Vale. Em Barão de Cocais, por exemplo, as pessoas fazem rodízio para ir na ponte, para ver se o rio está subindo. Os pais e mães estão colocando os bebês para dormir dentro da cadeirinha, para em qualquer eventualidade colocar a cadeirinha no carro e sair correndo. O povo não consegue mais dormir, estão apavorados com medo”, explica o coordenador do MAM.
 
As vítimas do mar de lama foram dilaceradas pela velocidade dos rejeitos e para confirmação das identidades dos corpos são necessários exames de DNA. O luto ainda abate com muita força a região, são cerca de 300 pessoas entre mortos e desaparecidos, o que significa que toda pessoa do município perdeu alguém, seja um familiar direto ou um conhecido mais distante. “Os problemas com saúde mental estão sendo extrapolados cada vez mais. Dados da Secretaria de Saúde apontam o quanto cresceu a demanda por medicamentos pesados, tarja preta, antidepressivos, ansiolíticos, além das tentativas de suicídio”, relata Luiz Paulo Siqueira.
Bombeiros nos primeiros momentos de busca após o crime-tragédia. | Foto: Diego Baravelli (CC BY-SA)
 
O impacto do crime também se expressa na economia da região de Brumadinho e em toda a Bacia do Rio São Francisco, que tem sofrido com a contaminação das águas. Agricultores e agricultoras de Brumadinho, por exemplo, além de perderem familiares, suas casas, sua terra, não pode mais cultivar seus alimentos, que eram comercializados. “A água está contaminada e estamos falando de metal pesado. Os agricultores que tinham hortas, comercializavam toda semana, uma agricultura de bom retorno econômico. O que a Vale oferece para as famílias é uma renda muito abaixo do que elas tinham. Sem falar que produziam tudo o que comer, ela sabia o que ela colhia”, explica Rodrigo Pires Vieira, da coordenação da Cáritas Minas Gerais. A organização acompanha de perto a situação e desdobramentos do crime em Brumadinho, junto a arquidiocese local. “Existem as comissões das comunidades atingidas que se reúnem para se organizarem em busca de uma reparação mais justa. Vidas e histórias se perderam e não vão voltar mais”, lamenta.
 
Na bacia de todo Rio São Francisco a contaminação das águas chega mesmo nos municípios mais distantes, revelando a dimensão do impacto ambiental. “Além do medo e da água poluída, que está descendo pouco a pouco, também nos causou um prejuízo muito grande. Perdemos todo o nosso plantio, porque a barragem de Três Marias segurou muita água e alagou nossas vazantes. Estamos desalojados, sem poder plantar, sem poder criar e também a pesca diminuiu mais de 50%, porque o peixe não reconhece o ritmo das águas”, explica o pescador Clarindo.

MODELO DE DESENVOLVIMENTO – Crimes ambientais, que têm consequências incontáveis para a vida das pessoas, como esse os rompimentos de barragem de rejeitos de minério em Mariana e Brumadinho, trazem à discussão o modelo de desenvolvimento aplicado em todo o mundo, em especial quando se trata de extração de recursos naturais. Para Rafaela Alves, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a exploração que está por trás do crime cometido pela Vale integra um modelo de desenvolvimento que tira a soberania do povo brasileiro sobre suas águas, seus minérios, suas terras, seu petróleo, sua biodiversidade e até seu modo de vida. “O governo ainda fala em flexibilizar as leis ambientais e o povo morrendo com todo território sendo destruído. Estamos falando de um povo que precisa da terra, daquela água, que precisa da sua história para viver. No caso de Brumadinho, foi destruída a vida e as possibilidades de consequência dessa vida funcionar, e a Vale não parou um minuto o seu processo de exploração e transporte”, denuncia. 
 
Letreiro da cidade passou a receber homenagens depois do crime. | Foto: Romerito Pontes (CC BY)
 
O MPA junto com a ASA compõem um processo de articulação que tem denunciado as consequências do crime em Brumadinho em toda a Bacia do São Francisco, consequências como as que tem vivido o pescador Clarindo. “Tem várias frentes acontecendo com relação a esse crime, mas também estamos agora com a possibilidade de construção de uma Usina Nuclear no Rio São Francisco, na região de Itacuruba, Pernambuco. Já esteve na agenda governamental há um tempo atrás, mas agora o projeto volta na agenda política do atual governo. Estamos denunciando esses projetos, mas também apresentando o que propomos que é a convivência com o Semiárido, em contraposição a esse modelo explorador”, explica Cícero Félix, da ASA.