Paulo Freire - 100 anos
20.09.2021
A contribuição de Paulo Freire para o trabalho da ASA em defesa da Convivência com o Semiárido

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Por Rafael Neves | ASA

Neste mês de setembro de 2021, comemoramos o centenário de nascimento do educador Paulo Freire. Dos quais, 75 anos em vida, em comunhão com as pessoas, no meio da gente, experimentando o mundo com os outros, estando sobre o chão de forma ativa, como ele acreditava que devia ser. E outros 25 anos, bebendo de seu legado, tentando trazer as reflexões que fazemos de sua escrita, para a nossa prática, para mudar o jeito que nos educamos, umas às outras, uma educação como uma prática da liberdade.

A obra do franzino Paulo Freire é enorme no legado que deixou ao nosso povo. Podemos dizer que nós, da ASA - Articulação Semiárido Brasileiro, somos fruto de uma das principais ideias dele. De que é preciso ampliarmos os espaços de diálogo, proporcionar o encontro das pessoas para que discutam seus problemas, suas questões e principalmente achem juntas alternativas para seus próprios desafios. E não foi outra coisa que a ASA fez. Aqueles homens e mulheres que há pouco mais de 20 anos, resolveram criar uma articulação que buscava mobilizar pessoas, promovendo o encontro das mesmas em suas microrregiões, territórios, estados e em seu país.

Junto a outros educadores, o pernambucano Paulo criou os fundamentos da educação popular. Um quê fazer pedagógico que leva em consideração os conhecimentos pregressos dos educandos, a prática, a vivência, mas, sobretudo o diálogo. Para ele, o aprendizado não prescinde do encontro amoroso de pessoas, a troca onde aquela que ensina, de repente aprende. Assim, os povos da região trilharam o rumo da Educação Contextualizada com o Semiárido, tendo a existência de seu povo como referência para o processo de conhecer e as experiências das pessoas, aquelas histórias que devem ser contatadas, através das quais se aprende.

O educador Paulo colocou- nos uma referência da qual não podemos mais voltar atrás: não há educador que não se saiba educando. Em outras palavras, não é capaz de ensinar, aquele que não é capaz de aprender, principalmente de aprender com quem está ensinando. Em verdade não se ensina “para”, mas se aprende “com”. Esse aprendizado a ASA leva para todos os seus Programas e não há projeto que execute na região que não se proporcione espaços de formação, de troca de saberes, dos mais diversos tipos. Pessoas se encontrando para aprender a construir cisterna, a discutir os problemas de acesso à água, a uma alimentação saudável, para trocar sementes... Gente aprendendo com gente.

A ASA também entendeu bem de seu professor Paulo, que conhecimento não se estende, não se transfere. Se constrói junto, na prática, na luta, na lida. Conhecimento se comunica. Na história da vida, cada mulher e homem são os protagonistas de seu próprio roteiro e são quem tem de construir a imagem de si mesmos e como já falamos as soluções para seus problemas. E assim, o povo do Semiárido brasileiro têm construído suas estratégias de bem viver, guardando água, sementes crioulas, conhecimento e alimentando com qualidade o povo da cidade.

No entanto, Paulo Freire tem seu centenário em um Brasil bem diferente do que gostaria de construir. Na verdade, comemoramos seus 100 anos de nascido, tendo suas ideias rechaçadas, inclusive pela atual necropolítica. De certa forma, esses que o rechaçam, são os mesmos que, quando do golpe militar, prenderam o brasileiro Paulo por subversão. O que para Paulo era democratizar a escrita e a leitura, para seus algozes, era comunismo. O nosso maior educador tinha essa obsessão, a alfabetização das letras feita a partir do que se vive, junto à leitura de mundo. Nunca desistiu dessa ideia, seja quando de sua volta à abertura democrática ao Brasil ou no exílio, no Chile ou apoiando países africanos, lutou sempre pela apropriação popular das letras. Ainda hoje, o Estado brasileiro carrega essa dívida com sua nação, ainda hoje sangramos as feridas daquele golpe.

Ademais, os saberes que Paulo deixou para nós são atemporais, serão sempre úteis na construção de um mundo mais humano. O educador nunca foi afeito aos “passo a passo”. Mesmo quando sistematizou seu método de alfabetização, não nos forneceu uma receita de bolo. Porque para ele não há receita, cada realidade e cada momento histórico, pedem estratégias didáticas adequadas a eles. Por outro lado, deixou de forma objetiva, as condições necessárias para a construção de uma “Pedagogia para a Autonomia”: A beleza, a curiosidade, a ética, a alegria, a criticidade.....

Aos seus 100 anos, Paulo, agradecemos o legado deixado e esteja onde estiver saiba que nós do Semiárido brasileiro, parceiras e parceiros nossos, no Brasil e no mundo, continuamos a nos esperançar. Ainda acreditamos naquela mesma humanidade na qual você apostou, ainda sabemos que a liberdade só surge do movimento dos oprimidos e mais do que nunca, quando as contradições se impõem e desumanizam, estamos amorosamente juntas lutando pela liberdade de seu povo.