Livre de agrotóxicos
05.12.2019
Lugar de resistência das sementes crioulas, Semiárido amplia debate sobre contaminação do milho pela transgenia
No II Módulo de Formação do Projeto Agrobiodiversidade do Semiárido, representantes da ASA e Embrapa analisam os desafios para preservação das sementes crioulas

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Por Fernanda Cruz e Verônica Pragana - Asacom

Roçado de milho visitado pelos participantes deste módulo de formação do projeto Agrobiodiversidade do Semiárido | Foto: Fernanda Cruz/Arquivo ASA

CP4EPSPS, PAT, aad12, DMO, CRY, VIP. Já pensou se você encontrasse um desses ‘ingredientes’ no rótulo de um produto alimentício ou soubesse que faz parte da preparação de uma comida que você adora? Você teria coragem de comer? Para quem não sabe, essas são algumas das proteínas geneticamente modificadas que são inseridas em algumas sementes, como as de soja e milho.

Infelizmente, a nossa legislação prevê apenas o aviso de que tal produto é transgênico quando a inserção de genes de outros animais ou plantas for mais do que 1% da sua composição. Mas, infelizmente, existe muito mais elementos por trás desse símbolo do que é divulgado.

Atualmente no Brasil existem seis culturas liberadas para cultivo com sementes transgênicas. Além da soja e do milho, o eucalipto, o algodão, a cana-de-açúcar e o feijão. Colocando uma lupa apenas no milho, existem 31 variedades modificadas geneticamente para conferir à semente a capacidade de resistir a herbicidas e insetos. Mas será que esse dado é real?

Uma pesquisa do The Dow Chemical Company, conhecida como Dow, uma corporação dos EUA que até o primeiro semestre de 2019 produzia agrotóxicos, aponta que dos 34 milhões de hectares onde experimentaram seus pacotes que continham herbicidas - agrotóxicos usados para evitar o crescimento de plantas espontâneas - 20 mi hectares tiveram problemas com espécies como a Buva e o Capim Amargoso, que deveriam ser combatidas por este pacote envenenado.

“Por mais que a propaganda esteja sempre apontando tecnologias de ponta e prometendo ganhos de produção e benefícios ambientais também, a experiência [brasileira de mais de 15 anos de uso de transgênicos] tem mostrado que são tecnologias vendidas para uso em grande escala [em grandes extensões de monoculturas] com adoção muito intensiva de venenos e uso de sementes caras", pontua Gabriel Fernandes, integrante do GT Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Segundo Paola Cortez Bianchini, pesquisadora da área de agricultura familiar e agroecologia da Embrapa Semiárido, o problema da transgenia afeta todas as sementes crioulas de milho do mundo inteiro. "No México, tem uma legislação específica para isso porque ele é o centro de origem do milho e também lá foram travadas imensas batalhas. Até hoje tem milho transgênico clandestino que entra no país e impacta a diversidade de sementes crioulas. Na Europa, tem grupos cada vez mais se organizando para proteger os consumidores e a biodiversidade também com relação a este tipo de tecnologia".

No Brasil e na região do Semiárido, não é diferente. Como conta Adriana Sá técnica da organização Arcas que atua no Semiárido da Bahia: "Os agrotóxicos, cada vez mais, se aproximam dos agricultores. Se aproximam pela propaganda. Os agricultores são enganadas por aquela ideia de produtividade. E, ao mesmo tempo, se endividam no banco porque precisam acionar o crédito e o banco condiciona a comprar a semente modificada, as híbridas. E, aquele produtor que resiste se sente ilhado. Ilhado pelos outros que plantam os transgênicos e, através da polinização, vai contaminando e ameaçando cada vez mais suas sementes."

Momentos para refletir sobre as ameaças e estratégias de resistência aos transgênicos e retornar aos territórios do Semiárido | Foto: Fernanda Cruz/Arquivo ASA

Por isto que essas e outras questões estão na pauta do II Módulo de Formação do Projeto Agrobiodiversidade do Semiárido, realizado esta semana, em Petrolina (PE), que tem se dedicado a analisar e refletir os desafios para preservação das sementes crioulas. O Agrobio, como está sendo chamado, é um projeto realizado pela ASA, Embrapa e financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).

"Trazer isto para o curso é importante porque, primeiro, é uma ameaça real. Essa contaminação está crescendo no país inteiro e aqui no Semiárido também. Os programas da ASA mesmo já têm dado da contaminação de milhos crioulos por transgênicos em todos os territórios de atuação", destaca Paola.

E, quando falamos de sementes crioulas do Semiárido, não dá para deixar de se referir à alteração do clima que se traduz em eventos climáticos extremos em todo o planeta. "O Semiárido tem condições específicas de solo, de temperatura, de pluviosidade, de luminosidade que, num contexto de mudanças climáticas, são favoráveis no sentido de adaptação às condições mais adversas. Então, tudo o que os agricultores têm feito aqui, no Semiárido, com estas sementes crioulas, eles têm feito prestando um serviço pra gente, o brasileiro, pra o povo do Nordeste e do Semiárido, mas também para o mundo. Porque estão adaptando as nossas sementes, os cultivos agrícolas para condições extremas", reconhece a pesquisadora da Embrapa.

Diante deste contexto - no qual quem quer manter viva a agricultura familiar precisa lutar com gigantes da área das sementes, as empresas que atuam no mundo todo e gerem milhões de dólares e com os governos associados a elas - o projeto Agrobiodiversidade do Semiárido é uma luz que se acende em vários pontos da região. "Ele abre a oportunidade da gente manter acesa essa discussão no território, da gente qualificar mais nosso discurso, envolver mais pessoas no nosso território para montar estratégias para este enfrentamento. E o próprio projeto abre algumas oportunidades que é fazer os caminhos de multiplicação [das sementes crioulas], fazer os ensaios pra gente olhar as variedades e ver o quanto são importantes, envolver mais os agricultores neste processo de resgate e conservação", acrescenta Adriana.