Juventudes
28.03.2019
Juventudes na linha de frente da resistência aos retrocessos

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Por Fernanda Cruz - Asacom

Durante a V edição do Encontro de agricultores/as experimentadores, as juventudes camponesas entregam carta para coordenação da ASA | Foto: Beatriz Brasil

“Nesse momento é mais do que necessário as juventudes se reconhecerem, se reafirmarem enquanto resistência e luta, ocupando as ruas, levantando suas bandeiras e construindo protagonismo, assim como foi em outros grandes momentos da nossa história”. Essa afirmação é das juventudes do Semiárido representada no último Encontro de Agricultores e Agricultoras Experimentadores, em fevereiro deste ano. Embora estejamos falando de jovens de um território brasileiro específico, ela se pode adequar à situação de jovens urbanos e rurais em todo mundo.

A jovem sueca Greta Thunberg que o diga. Com apenas 16 anos, ela vem chamando atenção no mundo pela sua postura ousada e, por que não dizer, inovadora diante da inércia governamental acerca da crise climática. Afinal de contas, embora tentem ‘adultizar’ o tema, quem vai pagar a conta dessa falta de cuidado com o planeta são as futuras gerações, então nada mais justo que os jovens se manifestem para chamar atenção dos nossos governantes. “Como nossos líderes comportam-se como crianças, nós teremos que assumir a responsabilidade que eles deveriam ter assumido há muito tempo”, alfinetou a jovem na Cúpula do Clima, realizada em dezembro do ano passado, na Polônia.

Em sua última ação, no último dia 15 de março, a jovem mobilizou milhares de jovens europeus no que chamou de greve climática. Estudantes da Suécia, Bélgica e Suíça deixaram de ir à escola para chamar a atenção dos políticos locais acerca do tema. Ivo Poletto, do Fórum de Mundanças Climáticas e Justiça Ambiental, comentou o assunto no programa de rádio do Fórum. Para ele, “vale a pena sair de casa, deixar de ir à escola e de fazer o que ocupa nosso tempo para se manifestar, exigindo ações concretas, que coloquem em prática o que já se sabe, o que a ciência já comprovou e o que está em belos documentos, como o Acordo de Paris”.

Vale salientar que a colocação de Ivo não é no sentido de que escola é menos importante, mas de que nem sempre o aprendizado ocorre entre quatro paredes. Segundo janaína Paiva, do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, que tem atuado com os jovens rurais como multiplicadores da agroecologia, “muitas vezes não é a escola formal que desperta no jovem o sentimento de que ele é um agente de mudança. É preciso entender que conhecimento também se adquire com outras práticas, como a reflexão e a prática coletiva, indo pra rua ou até mesmo através da auto-organização”.

Ainda segundo Janaína, "muitas organizações, como o Centro Sabiá e o Caatinga, e muitos movimentos sociais, como o Fojupe, trabalham numa perspectiva de educação não formal trazendo características que a educação formal, infelizmente, perdeu ao longo de sua trajetória. É o processo de inclusão, de participação, do conhecimento empírico, de você respeitar esse processo do participante e o conhecimento que o jovem, que o educando já traz. É você trabalhar processos metodológicos e pedagógicos, na perspectiva de uma pedagogia mais libertadora, que é o que Paulo Freire defendia. Você vai construindo o conhecimento de maneira coletiva. Esse conhecimento que o jovem já traz é cheio de sabedorias e de ancestralidade. Esse formato agrega muito mais - o jovem se sente parte do processo de ensino-aprendizagem, diferente de uma educação 'bancária', apenas técnica".

A Articulação de Juventude Indígena Tremembé, da Barra do Mundaú, no Ceará tem exercitado esse formato de aprendizado. “Fazemos formações políticas em agroecologia, direitos humanos, comunicação e isso vai passando confiança pra juventude. Somos responsáveis pela realização das noites culturais, ficamos à frente dos rituais, documentando a história do povo, seja em vídeo ou fotografia, mas também recolhendo ferramentas que demonstram o início da nossa luta. A nossa juventude está presente na saúde, na educação (...). É um processo de repasse do conhecimento, de conservação da cultura e preservação de valores”, fala com orgulho Mateus, que esteve no V Encontro de Agricultores e Agricultoras Experimentadores representando a sua aldeia.

Por enquanto, a pauta das mudanças climáticas não têm mobilizado o Brasil de forma expressiva como a greve juvenil do dia 15 de março na Europa. Mas isso não quer dizer que a juventude brasileira não esteja preocupada com o tema ou que também não tenha outras pautas de luta. “Hoje trabalhamos com a ideia da pluralidade das juventudes e das nossas causas, entendendo que esse conceito [de juventudes] também é diverso”, afirma a camponesa Regilane Alves, de Itapipoca, Ceará. Ela diz que “como estou no rural, minha bandeira de luta é o reconhecimento e valorização do trabalho das juventudes rurais. Nós fazemos o trabalho familiar no quintal, no roçado e no SAF, mas é visto como ajuda. Quando se tem a venda [dos produtos], o recurso não é destinado para o jovem. Fica nas mãos dos pais e os jovens não têm autonomia financeira”, reclama.

Essa situação levantada por Regilane é reflexo de uma concepção de que o jovem faz parte do futuro. Pensar assim é deixar uma parcela super ativa da população na invisibilidade. É desconhecer e desvalorizar a contribuição que ela dá no presente. “Há uma fala de que a juventude tem muita conversa e pouca ação. Pra demonstrar que não é assim temos nos organizado muito e temos conseguido superar esse desafio com luta e organização, tanto no estado, quanto na minha comunidade. Hoje já temos uma harmonia entre as lideranças, os mais velhos, que estão confiando na juventude”, afirma Mateus.

Regilane ainda lembra que é comum aos jovens, ao se casarem, não se reconhecerem mais como jovens ou, no caso daqueles que continuam na militância, sofrerem preconceito. “Queremos ser vistos como jovens agricultores e ter nosso trabalho reconhecido, independentemente da nossa condição”. Esse preconceito apontado por ela acaba levando muitos meninos e meninas a saírem do meio rural, numa tentativa de conquistar autonomia e independência nos centros urbanos. Isso é ainda mais comum no caso dos jovens LGBTQ+. A não aceitação por parte da família e as atitudes preconceituosas da comunidade, praticamente tem expulsado os jovens do campo.

Angelica é a jovem que está segunda a bandeira na ponta do lado esquerdo | Foto: Beatriz Brasil

“Eu, enquanto filha de agricultores, não teria total segurança de afirmar a minha sexualidade porque já se vem com a carga muito grande de preconceito e de opressão. É muito difícil pro jovem, pra juventude LGBT do campo se reafirmar, construir sua identidade por diversos fatores: social, econômico, político”, desabafa Angélica Lázaro, lésbica, do Movimento de Mulheres Camponesas, em Mossoró (RN). Mateus Tremembé ainda ressalta que um dos principais desafios para a juventude se manter no campo é a falta de políticas públicas. “A ausência do município e do estado acaba não possibilitando a juventude a sonhar e pensar sua vida no campo”.

Para Angélica, mesmo fora do campo, esse é um momento de muito medo. “Com esta questão da retirada dos direitos, os desafios amedrontam muito. Tem um objetivo político de negligenciar e secundarizar ainda mais nossas pautas”. Não é apenas a pauta LGBTQ+ que tem levando os jovens a se organizar e a ocupar as ruas. A violência nas periferias, a misoginia, o feminicídio, o Escola Sem Partido e a reforma da Previdência são alguns dos temas que vêm mobilizando a juventude brasileira. Vale salientar que, na atual conjuntura política governamental, é possível que a geração de Angélica, Mateus e Regilane talvez nem usufrua dos direitos pelo qual estão lutando.

A reforma da Previdência, por exemplo, se aprovada tal qual está a proposta, condenará esses jovens a um trabalho de quase escravidão no campo e, no caso dos jovens urbanos, como agora é o caso de Angélica, a optar por empregos com poucos ou nenhum direito ou ter direitos e não ter emprego, como defendeu o próprio Bolsonaro pouco antes de assumir a Presidência da República. “Se a situação já era complicada num governo que minimamente ouvia os clamores do seu povo, imagina agora num governo que não dialoga?”, reflete Regilane Alves.

Para Angélica, os tempos requerem muito amor, esperança, perseverança e resistência. “A gente está na luta, a gente está na resistência. A gente sempre foi resistência. O que move é a fé, independente de religião. As pessoas são movidas pela fé e por amor às coisas que elas querem ou que constroem. A gente vai construindo e sendo linha de frente da resistência que a gente consolida”.