V EAE
13.02.2019
“Tem que ser todo mundo junto!”
A terra do Padre Cícero recebe agricultores/as experimentadores de todo Semiárido

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Delegações dos 10 estados do Semiárido se encontram no V Encontro de Agricultoras e Agricultores Experimentadores | Foto: Beatriz Brasil
Feito por eles e elas, para eles e elas. Esse é o espírito do V Encontro de Agricultores e Agricultoras Experimentadores, que começou hoje (12), em Juazeiro do Norte (CE). O evento reúne cerca de 250 pessoas dos estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, que chegaram em caravanas para ver, ouvir e trocar experiências de convivência com o Semiárido, muitas delas baseadas na prática da agricultura agroecológica.
 
Ao som dos tambores do Maracatu Uinu Erê, do Crato, e do torém conduzido por Mateus Castro Tremembé, as delegações trouxeram suas bandeiras de luta, entre elas: violência contra as mulheres; a luta das quebradeiras de coco babaçu; a luta dos guardiões das sementes crioulas contra as sementes transgênicas; e contra as mineradoras – lembrando dos desastres de Brumadinho, em Minas Gerais.
 
“A gente acha que o aconteceu em Minas não acontecerá em nenhum outro lugar, mas isso não é verdade. Não podemos deixar que crimes ambientais virem moda. Eles não podem nos calar com dinheiro. Perdi meu tio, que era agricultor e estava prestando serviço na Vale. Quantos mais precisarão morrer para que algo seja resolvido?”, conta Nina, de Taiobeiras, no Norte Mineiro.
 
O V Encontro de Agricultores e Agricultoras Experimentadores apontou desafios, mas também histórias de superação e que trazem esperança ao povo do campo. Dona Ana mora no Assentamento 10 de Abril, no Crato, uma das experiências que serão visitadas amanhã (13). Ela fez questão de receber os participantes contando um pouco de sua história que, assim como a de muitos participantes, mistura momentos difíceis, de muito aprendizado e, sobretudo, de muita superação. Ela conta que nem mesmo o sofrimento do trabalho pesado na roça que começou quando tinha apenas 8 anos lhe afastou do campo e da luta. “Era muito sofrido. Eu trabalho na terra, com horta, com tudo no mundo. Há 20, 30 anos, a gente, trabalhador, era pisado, não tinha valor. Hoje, através dos movimentos como esse aqui, nós somos gente”.
 
Dona Ana é agricultora experimentadora e há ano vem epalhando a emente da agroecologia por onde anda | Foto: Beatriz Brasil
Para ela, esse momento, recebendo tantas pessoas de lugares diferentes, é sinônimo de reconhecimento do seu valor e da sua caminhada em busca de uma vida melhor, digna. “Eu nunca peguei numa caneta, estudei numa escola chamada mobral, que hoje os ‘menino novo’ nem sabe o que é, mas eu estou pegando num microfone desse, falando pra uma multidão. Vou até pro Juazeiro dar aula na Universidade dos Bancários. Por que? Nós agricultores, trabalhadores, temos valor. Se a gente não trabalhar, não plantar, a cidade não janta. Um doutor não é melhor do que nós, um advogado não é melhor do que nós. Hoje sabemos nosso lugar e sabemos que eles precisam da gente assim como precisamos deles. Então ou andamos tudo na mesma linha ou não dá certo. O agricultor hoje é uma coisa muito importante. Que cada um aqui se valorize, trabalhe. Vale a pena você ser agricultor. A gente tem crédito em banco, compra na loja, tem a nossa casinha. Mas foi muita luta, de muitos trabalhadores, porque sozinhos nós não saímos do canto. Tem que ser todo mundo junto!”, reconhece dona Ana.
 
O então diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano, num vídeo produzido especialmente para o encontro, reforçou a importância dos agricultores e agricultoras familiares para a produção de alimentos. Ele também apontou a agroecologia como resposta para sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis. “A maior parte da produção de alimentos ainda hoje é baseada em sistemas agrícolas com o uso intensivo de químicos provocando um alto custo para o meio ambiente. Como resultado o solo as águas e a qualidade do ar continuam a se degradar. O foco no aumento da produção a qualquer custo nos últimos 50 anos não foi suficiente para erradicar a fome no mundo. Pior, nos dias de hoje estamos vendo uma epidemia global de obesidade. Precisamos de uma mudança transformadora na maneira de como produzimos e consumimos os alimentos. Uma verdadeira mudança no paradigma da revolução verde para um novo paradigma da sustentabilidade. Precisamos mudar sistemas alimentares, torná-los sustentáveis, para oferecerem alimentos saudáveis e nutritivos, além de preservar o meio ambiente”, destacou Graziano.
 
Daniela Arantes do BNDES | Foto: Beatriz Brasil
O primeiro dia do encontro também contou com a participação dos parceiros da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), que ao longo dos anos têm contribuído com o fortalecimento da proposta de convivência com o Semiárido e do protagonismo dos agricultores e agricultoras familiares. Raimundo Martins, da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Ceará (Fetraece); Leonardo Brichara, do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida); Olga Matos, da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese); Jorge Mesquita, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Daniela Arantes, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) falaram sobre a importância desse momento. “É na agricultura familiar que encontramos a essência da nossa ação”, afirmou Leonardo Bichara. Já Mesquita destacou a importância do diálogo entre os saberes popular e acadêmico e o interesse da FioCruz em continuar nessa construção.
 
Para Daniela Arantes, do BNDES, alinhar esse saber popular, o saber local, o saber do agricultor e o saber científico é de fato transformador. “É um momento como esse que estamos tendo agora, de intercâmbio de experiências, que cada agricultor que tem uma realidade específica, alguns que têm um protagonismo muito importante na comunidade onde vivem, e que agora têm a oportunidade de compartilhar isso com outros”.
 
Além de apoiar o evento, o BNDES é parceiro da ASA tanto no Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), quanto no Programa Sementes do Semiárido, priorizando a escuta e o envolvimento do povo do Semiárido. “Como pensar o desenvolvimento de territórios específicos, como o Semiárido, por exemplo, sem envolver quem vive no Semiárido, sem ouvir qual a realidade dessas pessoas, sem entender quais são as demandas, as aflições, que conhecimentos eles desenvolveram ao longo dos anos, que experiências eles têm?”, provoca ela.
 
Olga Mattos, da Cese, destaca a importância do encontro para promover a valorização dos povos do Semiárido.  “Esse é, fundamentalmente, um espaço construído para escuta tanto nossa, quanto de outros parceiros, para uma compreensão dessas dinâmicas de valorização da agroecologia, das mulheres, das juventudes, e de todos os povos e das diversas expressões do Semiárido brasileiro.
 
À tarde, os participantes do V Encontro de Agricultores e Agricultoras Experimentadores dividiram-se em plenárias temáticas: mulheres, juventudes e povos e comunidades tradicionais.  Na sequência, o grupo teatral MOACPES apresentou o território do Cariri cearense. Para a noite está prevista a abertura da Feira de Saberes e Sabores.