Sementes
00.00.0000 MG
O cuidado com o Gerais pelas mãos da agricultora e guardiã Elizângêla Aquino

Voltar


Dona de um olhar que transborda resistência, Elizângela tem nas mãos a força de quem cuida da roça e preserva a agrobiodiversidade

Ao longo de 12 mil anos da agricultura, mais de sete mil espécies de alimentos foram cultivadas. Hoje, apenas 12 espécies formam a base da nossa alimentação. Um dos principais causadores do desaparecimento dessa cultura milenar é o agronegócio, uma vez que esse modelo faz com que a diversidade de alimentos perca espaço para os monocultivos e a autonomia e sustentabilidade tradicional ou agroecológica sejam desconsideradas diante de venenos e da transgenia. É neste contexto que as agricultoras e os agricultores familiares do semiárido brasileiro têm lutado para preservar e multiplicar suas sementes ameaçadas pelo agronegócio.

Conhecidas como sementes crioulas, para além das especificidades técnicas, elas fazem parte do patrimônio tradicional por estarem no mundo há muitos anos. As sementes crioulas são adaptadas ao clima da região, possuem diversidade genética e guardam saberes que são passados de geração à geração.

Semente é história. É assim que são vistas as variedades crioulas pelos povos e comunidades tradicionais e pelos agricultores familiares do Norte de Minas. Cada uma lembra um “causo” e explicar o significado dessas espécies é resgatar memórias e relembrar momentos de conversas com pais, avós e outros antepassados.

Desde criança, Elisângela Aquino, agricultora de Riacho dos Machados, que carinhosamente é conhecida como Lô, contribui no resgate e na conservação da agrobiodiversidade por meio do trabalho de plantio, coleta, armazenamento e troca de sementes crioulas. Essa tradição é uma das marcas dos geraizeiros, povo tradicional do Cerrado, que leva consigo a tradição de proteger os Gerais, região que nos últimos anos sofre impactos de grandes empreendimentos como o monocultivo de eucalipto e da mineração.

“Semente é como o ser humano”, afirma Lô. Dona de um jeito simples e de um olhar que transborda resistência, a mulher que é liderança em um assentamento tem nas mãos a força de quem cuida da roça e preserva a agrobiodiversidade. Ao ser questionada sobre o porquê de vê uma semente da mesma forma que vê uma pessoa, responde com a firmeza de quem tem muito para falar sobre o patrimônio para humanidade. “Pra mim é como se fosse a gente: tinha a minha mãe, depois veio eu, agora veio o meu filho e depois vem o meu neto. Existe uma história de vida que vai passando de geração para geração”, conta puxando na memória algumas espécies que vêm sendo cultivada na família desde os avós de seu pai, como algumas variedades de feijão e milho.

Sobre as sementes modificadas geneticamente, Lô reage: “Nunca plantei e tenho medo”, para ela as transgênicas não possuem vida. No semiárido há uma riqueza preservada de sementes crioulas, então por isso, a agricultora não acredita que seja necessário o plantio de sementes modificadas geneticamente. Ao mostrar o seu quintal com um plantio diversificado, caraterística forte da agricultura familiar, que se consolida com o cultivo na lógica de consórcio, Lô ressalta a importância dos saberes tradicionais ao mostrar diferentes variedades de mandioca, feijão, plantação de cebola, laranjeira, palma, manga, goiaba, mamão, no seu quintal.

Se por um lado as mudanças climáticas é uma dificuldade no semiárido, a resistência e coragem em preservar o futuro é uma dádiva que fortalece a luta. “Eu acho assim, que esse dom de ser guardiã da agrobiodiversidade, de cuidar dos valores da terra, do cerrado, de tudo que Deus deixou, é o dom mais belo. É por isso que nós agricultores e agricultoras guardamos isso com cuidado, zelamos a natureza, porque a gente sabe que tudo isso que a gente tá passando, as dificuldades com as questões das mudanças climáticas foi causado pelo homem, então a nossa expectativa é que a gente no mínimo possa cuidar do que Deus deixou para que a chuva volte e pra que a gente volte a ter abundancia de água.”, conta.

Há cerca de 10 anos convivendo com a forte seca na região, Lô conta que as mudanças e a fartura de alimentos não chegam de uma hora para outra, é preciso ter paciência para ver as plantas crescerem e encontrar alternativas para que haja convivência com o semiárido. “A gente cuida porque a gente tem esperança, esperança de dias melhores e a gente acredita que esse dia vai chegar. Pode não ser hoje, pode não ser para mim, mas eu tenho herança que são os meus filhos e netos. O que eu estou plantando e estou fazendo hoje, eu tenho certeza que não é pra mim, mas é para o futuro, é para uma nova geração.”, conta a agricultora que semeia na terra muitas histórias.