Caatinga
05.07.2018
II Conferência da Caatinga promove trocas de experiências sobre o único bioma exclusivo do Brasil
Experiências da Caatinga mostram a importância da educação do campo para a valorização da agricultura familiar e os resultados de pesquisas técnicas para a conservação da caatinga

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Por Aline Moura - comunicadora do Esplar

Conferência da Caatinga pauta ações exitosas de preservação do bioma | Foto: arquivo Esplar

Com o objetivo de promover políticas públicas para o desenvolvimento humano e a sustentabilidade, a II Conferência da Caatinga reuniu centenas de gestores públicos, produtores rurais, pesquisadores, técnicos e representantes de instituições da sociedade civil que atuam no único bioma exclusivamente brasileiro, a caatinga. Divididas em quatro eixos temáticos, experiências exitosas do bioma foram apresentadas e mostraram a importância da educação do campo para a valorização da agricultura familiar e os resultados de pesquisas técnicas para a conservação da caatinga. Marcus Vinicius de Oliveira, diretor-presidente do Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria, atuou como debatedor do eixo Agropecuária.

A programação do dia 20 contou com a participação de Rosenely Diegues Peixoto, oficial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que ministrou a palestra “A importância dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e sua adequação às especificidades do Bioma Caatinga”, no Auditório Murilo Aguiar, da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. A palestra reforçou a reflexão sobre desenvolvimento sustentável, servindo como base para as análises das 48 experiências que foram apresentadas em seguida, em salas subdivididas nos eixos temáticos de Meio Ambiente, Segurança Hídrica e Saneamento Básico, Agropecuária, e Desenvolvimento Econômico e Social.

Durante sua fala, a oficial ressaltou o papel dos ODS como quadro inicial para orientar a construção de políticas públicas e promover parceiras globais que gerem resultados locais concretos. “O desenvolvimento sustentável é o que fazemos no presente e não afeta as futuras gerações. Ele se baseia em um tripé: agenda ambiental; agenda econômica; e agenda social. No entanto, ainda continuamos agendando de forma isolada em nossas caixinhas. Os ODS são ferramentas de planejamento a médio e longo prazo que viabilizam o alinhamento nacional e subnacional. A integração é a solução”, afirmou a oficial. Conforme Rosenely, a integração deve conter cinco “p”: pessoas; planeta; parcerias; paz; e prosperidade.

No eixo Agropecuária, duas jovens mulheres formadas em Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) mostraram a importância da educação do campo para impulsionar oportunidades à juventude e valorizar a agricultura familiar. Vinda da Bahia, Aline Oliveira relatou as ações do projeto Recanto Peixinho, no qual atua como técnica. Conforme Aline, o projeto desenvolve atividades de restauração no intuito de transformar propriedades de agricultura familiar em espaços agroflorestais. “Trabalhamos pela disseminação de práticas de reflorestamentos a partir de técnicas da Agroecologia. Mostramos a importância de se ter árvores para preservar o solo e evitar a erosão”, revelou.

A piauiense Valdiléia de Moura Silva demonstrou muita paixão pelo campo e pela agricultura familiar ao narrar sua história pessoal de transformação a partir do projeto “Resgate e uso de galinhas caipiras da raça Canela Preta por jovens oriundos de Escolas Famílias Agrícolas”. Valdiléia falou sobre a dificuldade que os jovens encontravam de permanecer em suas regiões de origem por causa da falta de oportunidades. “Meu objetivo é incentivar cada vez mais jovens que permaneçam no campo. Dos membros da nossa associação de Boca de Vereda, 80% são jovens. São jovens como eu, que se formaram na EFA e encontram a possibilidade de se desenvolver na nossa própria região. Antes, mesmo formados, eles tinham que migrar. Hoje, a minha propriedade é o que é graças às parcerias, como a da Embrapa Meio-Norte”, contou Valdiléia.

Em sua análise das experiências, Marcus Vinicius de Oliveira, diretor-presidente do Esplar, destacou a importância das EFAs e de projetos que gerem oportunidades aos jovens no campo. “As EFAs são experiências muito importantes. No Projeto Paulo Freire, dos 300 técnicos, 60% são oriundos das EFAs. O campo está esvaziado de jovens. A média de público que trabalhamos no Esplar é de 52 anos”, revelou Marcus Vinicius. Por outro lado, o diretor lamentou que o Tribunal de Contas da União estivesse proibindo ações e editais voltados a públicos específicos, como mulheres e jovens.

Além de Marcus Vinicius de Oliveira, o evento contou com os seguintes debatedores: Francisco Carneiro Barreto Campelo, superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama); João Lucio Farias de Oliveira, presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh); e José Otamar de Carvalho, engenheiro agrônomo e economista.

No último dia de conferência, Marilza Pereira da Silva, do Instituto de Permacultura em Terras Secas da Bahia, apresentou o projeto “Recuperação de áreas degradadas no semiárido” no eixo temático Meio Ambiente. Conforme Marilza, a ação visa converter áreas em processo de degradação ou desertificação em Sistemas Agroflorestais Sustentáveis (SAFs) no território de Irecê, como forma de recaatingamento. “A nossa esperança é mitigar os efeitos do processo de estiagem. As comunidades são capacitadas durante a implantação das SAFs, viabilizando o empoderamento social. A gente aposta em tecnologias simples e baratas para que o agricultor possa continuar usando”, explicou Marilza.

No Ceará, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) também busca reverter a degradação de regiões semiáridas por meio do projeto “Recuperação de área degradada em processo de desertificação”. Conforme Sonia de Oliveira, diversas técnicas de manejo foram feitas durante o processo, como barragens de pedra, terraço, escarificação e sulcamento. “Essas áreas estavam improdutivas. Do jeito que elas estavam, não adiantava colocar mudas. Tinha que recuperar o solo primeiro. A comunidade não acreditava que fosse possível. Hoje, eles chamam a área de Amazoninha. Estão muito esperançosos”, garantiu Sônia. 

Simultânea à conferência, ocorreu a Feira dos Saberes e das Culturas da Caatinga, durante a qual foram apresentados os costumes, a culinária, a música, a dança e o artesanato de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Bahia e Ceará. Durante a cerimônia de encerramento, Marcus Vinicius falou sobre o desmonte das instituições públicas na atual conjuntura política e ressaltou que as experiências como as apresentadas na conferência dependem de incentivos governamentais. Conforme a organização da II Conferência da Caatinga, mais de 500 pessoas se credenciaram no evento e uma média de 400 participaram das salas temáticas diariamente.