Sementes
04.04.2018 AL
Sementes crioulas de Alagoas são vendidas para os governos federal e estadual
Em tempos de cortes de verbas públicas, este fato fura o bloqueio que existe não só no Brasil, mas em todo mundo, para a agricultura familiar camponesa

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Por Verônica Pragana

Milho e feijão são culturas que fazem parte da base alimentar das famílias agricultoras do Semiárido | Foto: Ana Lira

Os agricultores e agricultoras familiares, guardiões e guardiães das sementes crioulas, conseguiram uma importante vitória em Alagoas: a venda de 43 toneladas de feijão e milho para os governos federal e estadual distribuir para milhares de famílias agricultoras que precisam delas para cultivar seu roçado. Por conta da seca longa que afetou o Semiárido, muitas famílias viram diminuir o seu estoque de sementes crioulas e várias até perderam todas as sementes seja porque plantou e não vingou ou porque precisaram cozinhar para se alimentar.

Vender sementes crioulas a programas públicos de distribuição de sementes não é algo novo para as Redes de Sementes Crioulas do Semiárido, como a de Alagoas e da Paraíba, mas em tempos de cortes de verbas públicas para a agricultura familiar e do fechamento de espaços institucionais que a fortaleciam, este fato foi celebrado como um furo no bloqueio à agricultura familiar que existe não só no Brasil, mas em todo mundo. Por trás deste passo, estão articuladas importantes redes de apoio à agricultura camponesa no estado: Rede de Sementes da Resistência com apoio da Articulação Semiárido (ASA), da Universidade Federal de Alagoas e da Rede Alagoana de Agroecologia.

As sementes crioulas são aquelas que estão com as famílias agricultoras há gerações e se adaptam às características da região onde é plantada, germinando mesmo quando as chuvas não fariam brotar uma semente sem a sua resistência. Em Alagoas, por representaram também a resistência dos povos do Semiárido, são conhecidas como Sementes da Resistência. Em cada estado que faz parte do Semiárido brasileiro, as sementes crioulas ganham um codinome que expressa um dos significados destas sementes para as famílias agricultoras.

PAA Sementes - A venda para o governo federal se deu através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na modalidade Sementes, gerenciada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). As regras para a venda de sementes à Conab foram mudadas dificultando a comercialização para as famílias agricultoras guardiães das sementes e suas organizações. Antes, a venda era de doação simultânea. Quem vendia as sementes dizia onde estava a demanda. Agora, o processo se burocratizou mais ao delegar aos órgãos públicos, como as Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), a responsabilidade de indicar onde está a demanda. Estas regras estão traçadas no Manual de Operações para Aquisição de Sementes, MOC 86, disponível no site da Conab.

Com conhecimento do novo caminho de operação, a Rede de Sementes da Resistência de Alagoas agiu. “Fizemos uma articulação com a Emater para eles demandarem a distribuição de sementes crioulas pelo Estado. E foi lançada uma chamada pública no valor de R$ 600 mil pela Conab para a aquisição de sementes crioulas. Apresentamos uma proposta de R$ 300 mil”, conta Mardônio Alves, da Rede de Sementes da Resistência.

A Cooperativa dos Pequenos Produtores Agrícolas dos Bancos Comunitários de Semente (Coopabacs), sediada em Delmiro Gouveia, vendeu 31 toneladas de quatro variedades de feijão e duas de milho que foram fornecidas por cerca de 20 famílias cooperadas, uma vez que o PAA Sementes exige que a oferta das sementes seja de agricultores associados à cooperativa que está fazendo a venda.

Fundo Estadual - Já para o governo de Alagoas foram vendidas 12 toneladas, sendo quatro variedades de feijão e quatro de milho, totalizando R$ 93 mil, uma quantia simbólica que representa 0,66% dos valor destinado pelo Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) para ações com sementes crioulas e as espécies modificadas em laboratórios. O valor total do Fecoep é um pouco mais de R$ 14 milhões, dos quais cerca de 5% são destinados à promoção das sementes crioulas, como compra e capacitações.

Apesar do pequeno valor, Alves explica que a Rede Estadual das Sementes da Resistência fez uma articulação com a Secretaria da Agricultura para ampliar gradativamente o montante do Fecoep destinado às sementes crioulas. “Em 2018, foram 5%. Em 2019, serão 10%. Até chegarmos ao patamar de 30% do valor total para a compra de sementes, assim como acontece com o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]”, conta.