Nenhum direito a menos
13.12.2017
“Nenhuma sociedade vai avançar se não lutar pela manutenção daquilo que já conquistou!”

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Por Elka Macedo - ASACom

A classe trabalhadora tem sido a mais afetada pelas reformas e cortes de recursos

Desde que Michel Temer assumiu a presidência da república, primeiro de forma interina em 12 de maio de 2016 e depois de forma definitiva no fim de agosto do mesmo ano, as mais importantes políticas públicas voltadas às populações do campo, em especial do Semiárido brasileiro, sofreram reduções de investimento. Um ano e sete meses de governo e já podemos citar cortes de recursos no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e recentemente o Programa Cisternas, soma-se a isto a aprovação da PEC 241 que congela os gastos com saúde, educação e assistência social por 20 anos; a aprovação da Reforma Trabalhista que permite a terceirização dos/as trabalhadores/as assalariados/as e a ameaça da aprovação da Reforma da Previdência.

Tramita ainda, na Câmara dos Deputados um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 215 que pretende transferir para o Congresso Nacional a competência de demarcar e homologar Terras Indígenas, criar unidades de conservação e titular terras quilombolas. Diante deste cenário, o Coordenador Executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado de Pernambuco, Alexandre Pires, fez uma análise de quais luzes podemos vislumbrar para 2018 e como podemos nos articular para fortalecer a luta e resistência dos povos frente as perdas dos direitos já conquistados.

Asacom - Os retrocessos ligados às políticas públicas voltadas para o campo estão cada vez mais gritantes. O que é possível vislumbrar frente a este cenário?

Alexandre Pires - Eu tenho escutado algumas pessoas dizerem que o ano de 2017 começou em 2014 e parece que não tem fim porque aquilo que a gente viveu neste último um ano e meio com a gestão deste Governo é o que deixa a gente com muitas preocupações sobre o futuro da agricultura familiar camponesa. Os cortes são em diversas políticas estruturais e politicas que asseguraram um processo de mudança para as pessoas que vivem no campo. Foram cortes nos programas de Assistência Técnica e Extensão Rural, no Programa de Aquisição de Alimentos, nos Programa de Cisternas, então tem uma série de limitações de recursos para a agricultura familiar. Ao mesmo tempo, a gente precisa fazer uma leitura para o cenário futuro.

É preciso que se mobilizar para uma reação a este momento que estamos vivendo. Essa mobilização significa conversar, reunir, refletir com cada agricultor, com cada agricultora, com cada organização local o que é que este cenário e esta situação está mostrando pra gente; onde foram os avanços, quais foram os limites que tivemos nesse processo de mudança no Brasil pra que a gente possa pensar numa construção mais sólida pra nossa população. É possível vislumbrar um cenário de muita luta e de muita reivindicação em defesa das conquistas e politicas para agricultura familiar camponesa.

Alexandre Henrique Pires | Foto: arquivo pessoal

Asacom - O agronegócio está ligado à concentração de terras e a extração de recursos naturais. E no Brasil, parte do congresso (bancada ruralista) apoia projetos como a PEC 215. Que armas podem nos ajudar a ir de encontro a estas forças?

Alexandre Pires - De fato precisamos fazer uma leitura de que todos os retrocessos que estamos vivendo nos remetem há pelo menos 30 anos, ou seja, à constituição de 1988 que reconhece os povos indígenas e quilombolas como povos originários como povos de direitos. Então o que estamos vivenciando hoje com essas mudanças no congresso nacional, sobretudo, com esse contexto da PEC 215 é exatamente uma tentativa de retornar a 30 anos quando o estado brasileiro ainda estava de costas viradas para estes segmentos sociais. Não é possível “entregar a chave do galinheiro para as raposas”. Há um jogo de interesses extremamente grande quando a gente fala em transferir para o Congresso este tipo de demarcação. E eu acredito que a comunicação tem um papel importante neste contexto, porque a gente ainda não conseguiu chegar ao máximo possível de pessoas na sociedade que saibam efetivamente o que está em jogo na história da demarcação de terras indígenas e quilombolas e ao mesmo tempo nós precisamos comunicar para a sociedade e ganhar, sobretudo, a confiança da população urbana sobre esta situação.

Mas há um desafio concomitante a isso que é desconstruir a visão que a sociedade tem sobre o que são os povos indígenas e quilombolas com seus modos de vida, porque o que paira na sociedade é uma caricatura desses povos como grupos pobres, corruptos, sem informação e sem conhecimento, como pessoas que querem viver à custa do estado. Tem um preconceito construído, com a ajuda da mídia de massa que são grandes responsáveis por isso, porque estes veículos estão na mão da elite brasileira. Há de se descontruir esse preconceito que existe e mostrar a sociedade brasileira o valor e importância que estes povos originários também têm para a construção da nossa sociedade.

Asacom - De um lado o agronegócio vem ganhando mais força com o apoio da bancada ruralista no Congresso, do outro lado, independente do governo, milhares de famílias adotam a produção agroecológica como forma de vida. Essa é uma luz que pode contribuir com a nossa resistência?

Alexandre Pires - Ao longo destes 17 anos, da ação da ASA, que é uma ação de diálogo com o estado brasileiro para fortalecimento e execução de uma politica pública de convivência com o Semiárido, somado a um conjunto de iniciativas voltadas à distribuição de renda, estimulo à produção sustentável e agroecológica, de educação para uma convivência com o ambiente de forma mais harmoniosa, e de acesso às politicas voltadas para a agricultura camponesa. Certamente o que a gente tem nesse momento é um conjunto de experiências vivas, vividas de convivência com o Semiárido; experiências agroecológicas que dialogam na perspectiva do respeito à natureza associada a uma economia local, solidária associada a uma relação harmoniosa com o ambiente. Então pra vislumbrar este cenário futuro, essas experiências são a nossa maior força, a nossa maior esperança pra que a gente consiga construir possibilidades de um Brasil diferente. Nós precisamos para fortalecer esta luta, olhar para essas experiências que são luz para este momento que a gente vive.

Asacom - Em sua opinião, 2018 pode ser ter mudanças significativas e animadoras para os movimentos sociais, sobretudo por ser um ano eleitoral?

Alexandre Pires - Eu tenho dito que não basta apenas se preocupar com os candidatos aos governos dos nossos estados ou ao candidato à presidência da república do Brasil. Nós precisamos efetivamente fazer uma mudança na forma de pensamento da população sobre em quem nós estamos votando para o parlamento brasileiro, porque os cenários que a gente vai vendo é da população ainda votando em empresários, ruralistas, em candidatos que carregam consigo toda uma trajetória familiar no poder da política brasileira. Tem famílias que estão no congresso que remontam a era colonial, ou seja, nós brasileiros e brasileiras não estamos votando naqueles segmentos que nos representam, ou que representam os trabalhadores e as trabalhadoras.

Nós ainda estamos com uma cultura de voto de cabresto, do voto em quem em bonito, rico e que tem dinheiro pra dar neste momento. Nós precisamos construir uma nova cultura do voto no sentido de entender que a gente vota em quem tem compromisso com a nossa agenda política; que nós precisamos construir neste percurso um debate na sociedade em que o voto seja parte do processo - ele não pode ser o definidor do processo. E nós precisamos estimular os trabalhadores e trabalhadoras do campo e também das cidades a votar em candidatos e candidatas que representem a diversidade de sujeitos. É necessário estimular a candidatura e voto em mulheres comprometidas com a causa das mulheres e com as causas sociais; pessoas negras; do campo que conhecem a realidade camponesa; na população LGBT e jovem do Brasil. Nosso Congresso é envelhecido, branco e rico e não representa a diversidade da sociedade brasileira.

Asacom - Diante deste cenário que mudanças estratégicas estão acontecendo na ASA para a promoção da convivência com o Semiárido, sobretudo com a redução de investimentos do Governo para estas ações?

Alexandre Pires - Os cortes no Programa Cisternas são de 92%, isso significa efetivamente um retardamento no nosso curso de mudança no cenário de pobreza, de exclusão e de mudança do acesso à água como um direito fundamental à vida para as populações do Semiárido. Num momento em que a gente tem ainda mais de 350 mil famílias que precisam de primeira água [água de beber]; quando temos um universo significativo de mais de um milhão de famílias que precisam de água para a produção de alimentos; quando há uma ameaça significativa da diversidade genética das sementes crioulas e um retardamento significativo daquilo que a gente começou a avançar no debate da educação contextualizada no Semiárido e contra o fechamento de escolas na região.

Mas a ASA certamente semeou uma cultura de autoestima e de reconhecimento, do potencial, do papel e do valor que agricultora e o agricultor camponês/a têm no semiárido. E essa semente plantada pela ASA não vai se acabar com a redução de recursos, eu diria que este é um momento extremamente fértil para que a gente assegure uma maior mobilização do povo do Semiárido para defesa do que a gente conquistou. Nenhuma sociedade vai avançar se não lutar pela manutenção daquilo que já conquistou! É um cenário de muita dificuldade porque as organizações perdem uma certa capacidade de estar perto dos territórios, mas a ASA é uma força que está presente em cada agricultor em cada agricultora deste Semiárido. Este é um período de chamamento para que todos/as estejam muito alertas a este momento que a gente vive e a esse processo eleitoral que se inicia, pra que essa força possa se levantar em defesa daquilo que a gente já avançou e da vida com dignidade no Semiárido.