Comunicação popular
05.12.2017 PB
Oficina reforça vínculos entre jovens rurais e rádio comunitária em Pedra Lavrada (PB)
Emissora é instrumento para empoderamento da juventude no território do Curimataú Paraibano

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Por Áurea Olímpia - comunicadora da ASA Paraíba

Jovem com o conhecimento na mão na comunidade rural de Canoa de Dentro | Foto: ASA Paraíba

“Eu acho que a gente tem mais é que se apropriar do que é nosso. A rádio é da nossa comunidade e quanto mais a gente estiver unido e fazendo uso dessa ferramenta, mais a gente tem como se desenvolver”. O depoimento é da liderança Rosemare Alves, da comunidade rural de Canoa de Dentro, município de Pedra Lavrada, no Curimataú Paraibano. A agricultora foi uma das participantes de uma série de Oficinas de Rádio, promovida pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), através do Programa Cisternas nas Escolas. As oficinas estão acontecendo em comunidades rurais de cada um dos nove estados da região semiárida. Na Paraíba, Canoa de Dentro foi a comunidade escolhida para receber a oficina entre os dias 28 e 30 de novembro. A localidade faz parte da área de atuação do Coletivo das Organizações da Agricultura Familiar do Cariri, Seridó e Curimataú, assessorado pela organização não-governamental Patac, uma das executoras no estado do Cisternas nas Escolas.

Participaram da oficina 13 pessoas, entre lideranças comunitárias, comunicadores/as, educadores/as e jovens de escolas atendidas pelo Cisternas nas Escolas. Na comunidade de Canoa de Dentro existe, há cerca de 20 anos, a Rádio Comunitária Lavradense – RCL FM 97.3, que é gerida pela comunidade e mantida com apoio dos/as moradores/as. “A gente traz música, tem o momento do forró, da cantoria, do brega, do funk, mas também tem poesia, eu mesmo faço versos. Tem ainda as notas de falecimento, os recados de reuniões, festas, jogos, missas, cultos, tem programas religiosos. Fazemos campanhas para arrecadar recursos se tem alguém precisando, avisamos quando tem correspondências para as pessoas, que ficam na rádio e elas vem buscar”, explica Josenildo dos Santos, conhecido como “Pretinho”, locutor da RCL FM há mais de 10 anos. Há cerca de dois meses, um grupo de jovens de Canoa de Dentro se desafiou a apresentar, semanalmente, o Programa “Domingão Juventude”, que trata de assuntos da comunidade, esporte, política e cultura.

Durante os três dias da oficina de rádio, este grupo de jovens junto a outras pessoas da comunidade conversaram sobre o rádio, como meio de comunicação, e suas características, modos de produção e refletiram sobre a comunicação como um direito humano. Além disso, eles fizeram atividades práticas de planejamento, gravação e edição de programas. Os participantes da oficina se dividiram em grupo, planejaram as pautas, as fontes a serem entrevistadas, foram a campo colher as entrevistas e em seguida sentaram para analisar e fazer a edição do material.

Foram produzidos três programas de rádio com pautas escolhidas pelos próprios jovens comunicadores que giram entorno do cotidiano da comunidade e seus traços culturais. “Vida de Vaqueiro” foi um deles, em que o jovem Urbano de Melo Júnior, 16 anos, participa também como entrevistado e conta sobre como o incentivo de sua avó o fez se interessar pela pega de boi e pelas vaquejadas. No programete, os/as jovens conversam com vaqueiros mais experientes da comunidade para ouvir as histórias sobre a cultura da derrubada do boi em Pedra Lavrada e cantam aboios.

Outros programas abordaram o trabalho do grupo de mulheres de beneficiamento, a divisão justa do trabalho doméstico e o festival de cultura e arte que uma das escolas locais iria promover com a participação especial do trio de forró pé-de-serra formado pelos próprios jovens.

A oficina foi facilitada pelos comunicadores populares da ASA

A oficina foi facilitada por quatro comunicadores/as populares do Grupo de Trabalho – GT de Comunicação da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), da AsaCom e uma assessora técnica do Cisternas nas Escolas. “Historicamente, vemos a escola, aliada à mídia, que desvaloriza o local, que não incentiva às pessoas permanecerem onde nasceram. Com esta ação, nós queremos questionar, por exemplo, por quê as crianças ainda são alfabetizadas aprendendo que ‘F’ é de ‘foca’ e não de ‘fava’?”, afirmou Sarah Vidal, assessora técnica do Cisternas nas Escolas. 

Numa das noites, dentro da programação da oficina, foi feito um cinedebate na Escola Estadual Matilde de Melo Buriti, em Cumarú, distrito de Pedra Lavrada, onde foi apresentando o vídeo "O semiárido contado por sua gente", que traz as experiências em comunicação popular das populações do Semiárido brasileiro.

No último dia de oficina, um grupo de cerca de 30 pessoas da comunidade se reuniu na Capela de São Francisco de Assis para ouvir os programas. “Esses três dias foram muito proveitosos, de muito conhecimento. A gente vai tentar colocar tudo que aprendeu em prática no nosso programa”, afirmou a jovem Talita Batista. Após o momento de socialização foi feita a entrega dos certificados aos/as participantes da oficina.

O Cisterna nas Escolas - O Projeto Cisternas nas Escolas tem como objetivo levar água para as escolas rurais do Semiárido, utilizando a cisterna de 52 mil litros como tecnologia social para armazenamento da água de chuva. A chegada da água na escola tem um significado especial porque possibilita o pleno funcionamento deste espaço de aprendizado e convivência mesmo nos períodos mais secos.

O projeto abrange escolas dos nove estados do Semiárido (PE, PB, AL, SE, BA, CE, RN, PI e MG) que não têm acesso à água e que foram mapeadas pelo Governo Federal. A ação, desenvolvida em territórios, começa pela mobilização da sociedade civil, comunidade escolar e poder público municipal para que todos se envolvam numa proposta que vai além de proporcionar à escola uma forma de armazenamento de água da chuva.

A chegada da cisterna na escola estimula que os conteúdos estudados tenham a ver com a realidade local. Os professores e alunos têm uma oportunidade de debater sobre a questão da água no Semiárido não a partir da perspectiva da escassez e da falta, mas a partir de uma visão crítica sobre a histórica concentração da água, fruto da forte desigualdade social da região e do país. Essa visão crítica também desmistifica a imagem do Semiárido como um local inóspito e sem vida.