Sementes
18.09.2017 PE
Sementes Crioulas são garantia de soberania e segurança alimentar

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Por Bruna Suianne, Núcleo de Comunicação da CMN

As sementes crioulas desempenham um papel fundamental na garantia da soberania alimentar | Foto: Arquivo CMN
“Portanto agricultores, preservemos esta fatia, porque quem perde a semente, perde a soberania. Se da semente vem tudo, devemos ficar contentes, porque seremos o escudo, para os nossos descendentes”. O poeta e agricultor baiano Ademar Bogo recita nos versos finais de sua poesia “Cuidado com as Sementes”, o sentimento de todos aqueles que lutam pela a preservação de um patrimônio que é de toda a humanidade: as sementes crioulas.

O surgimento da agricultura é datado de aproximadamente 12 mil anos, tendo um papel decisivo para o desenvolvimento da nossa sociedade. A partir desse momento histórico, os homens e as mulheres trocaram a vida nômade pela vida em comunidade. Foi nesse período que as primeiras populações começaram a conservar, selecionar, melhorar e trocar sementes entre si, tudo isso a partir da capacidade de observação da natureza, tendo como necessidade a produção de vegetais mais produtivos e saborosos. As sementes crioulas, portanto, são consideradas patrimônio genético e cultural da nossa sociedade, diretamente ligada a nossa evolução.

Apesar de toda essa importância histórica e social, a partir dos anos 1950 surgiu a chamada Revolução Verde, projeto político que veio com o propósito de aumentar a produção agrícola através do desenvolvimento de sementes modificadas e criadas nos laboratórios, que possuem alta resistência a diferentes tipos de pragas e doenças, porém tem em seu plantio a utilização de agrotóxicos, fertilizantes, implementos agrícolas e maquinários. Esse tipo de produção, porta de entrada para o que conhecemos hoje como agronegócio, nasceu com a proposta de acabar com a fome no mundo e com as desigualdades sociais, porém não cumpriu seus objetivos iniciais já que o modelo acabou tendo como foco principal o aumento da produtividade para o lucro de grandes empresas.

A agroecologia, conceito que surgiu na década de 30, contrapõe todos os modelos de agronegócio e visa principalmente a produção sustentável, com o conceito de imitar a prática da natureza e otimizar o agro-ecossistema. O termo agroecologia também pode ser entendido como uma abordagem da agricultura que se baseia nas dinâmicas da natureza, as quais se destaca a sucessão natural, que permite a recuperação da fertilidade do solo, sem o uso de fertilizantes minerais, e o cultivo sem o uso de agrotóxicos, através de ações que buscam o equilíbrio natural dos componentes do solo.

A agricultora Vânia Maria Rocha dos Santos, do município de Flores, se considera uma guardiã das sementes e reforça a importância de garantir a segurança alimentar e nutricional de toda a comunidade. “As sementes crioulas significam soberania alimentar, pois sem elas a vida da agricultura familiar não existe. As sementes nos garantem uma alimentação saudável e de qualidade; além de ser um fortalecedor no dia a dia de agricultoras e agricultores do Sertão, pois com elas garantimos um alimento nutritivo, rico e variado ao mesmo tempo”, enfatiza.

As sementes crioulas desempenham um papel fundamental na garantia da soberania alimentar, pilar que coloca como destaque o direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, acessíveis, produzidos de forma sustentável e ecológica, e o direito de decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo. No Sertão do Pajeú, a excelência na diversidade das práticas agrícolas passa de geração em geração com o objetivo de que todos(as) possam ter acesso regular e permanente a uma alimentação de qualidade, que respeite a diversidade cultural e que seja ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
 
O papel dos Bancos de Sementes na preservação das espécies crioulas

Uma das alternativas utilizadas por agricultoras e agricultores familiares na preservação das espécies crioulas são os bancos de sementes. Os bancos são espaços de armazenamento que tem o intuito de guardar certas variedades de sementes para que elas não desapareçam e não sejam destruídas em algum lugar. O banco é uma garantia de que determinada espécie ainda seja encontrada para o plantio, evitando dessa forma sua extinção.

Para a coordenadora do Banco de Sementes do município de Afogados da Ingazeira, Lucineide Cordeiro, plantar agroecologicamente significa cuidar da natureza, que é um bem de todos nós. “O plantio consciente é necessário para todos, principalmente para as famílias agricultoras que dependem do meio ambiente para sobreviver. É sempre bom lembrar também de cultivar plantas nativas, com o pensamento no reflorestamento da caatinga”, lembra a sertaneja. Ainda na opinião da agricultora, o cuidado com as sementes é importante para dar continuidade no repasse desse bem para que essa herança não seja perdida ao longo dos tempos. “As sementes crioulas para mim representam vida. Meus bisavôs cultivavam e passaram isso para meus avós, meus pais, até chegar a mim. Fazer o resgate e a preservação delas é importante para nossa comunidade, porque significa qualidade de vida. É legal adquirir novas experiências, fazer a troca das sementes entre agricultoras e agricultores e saber que temos a oportunidade de dar continuidade a esse legado”, finaliza.

Para ampliar a proposta de convivência com o Semiárido, a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil) lançou em 2015 um programa que reforça a cultura do estoque das sementes crioulas. O Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Manejo da Agrobiodiversidade – Sementes do Semiárido tem sua concepção no reforço das estratégias de resgate e valorização do patrimônio genético, através do fortalecimento das práticas já existentes de auto-organização comunitária. Esse programa já construiu, até o início de setembro, 663 casas de sementes em todo território do semiárido brasileiro.

No Nordeste do Brasil, onde mais de 1,5 milhão de famílias do semiárido vivem da agricultura familiar, as sementes foram homenageadas de acordo com o sentimento que elas trazem para cada região, como é o caso das sementes “da paixão” na Paraíba, “da fartura” no Piauí, “da resistência” em Alagoas e “da liberdade” em Sergipe. Em Pernambuco, a denominação definida foi Sementes da Partilha. “Esse nome foi escolhido pela própria história dos agricultores e agricultoras familiares, que tem a satisfação e o orgulho em sempre partilhar e trocar as sementes e os conhecimentos entre si”, afirma a assessora técnica da Casa da Mulher do Nordeste, Claudineide de Oliveira.

Na próxima semana, nos dias 20 e 21 de setembro, as agricultoras e os agricultores se reúnem na pousada Stella Maris, no município de Triunfo, para o Encontro Estadual da Rede de Bancos de Sementes da Partilha. O evento tem como objetivos a reflexão sobre os principais desafios enfrentados pelos guardiões e pelas guardiãs das sementes nos últimos anos em Pernambuco; o diálogo sobre os avanços, dificuldades e possibilidades de cada território visando a construção da rede de sementes no estado; além do fortalecimento das ações locais e em rede em Pernambuco. O encontro recebe assessores e assessoras técnicas, representantes das Redes, de ONGs, de movimentos sociais e agricultoras e agricultoras de várias regiões do estado.