Água e educação do campo
19.05.2017
Água nas escolas do campo transforma a educação contextualizada numa prática cotidiana

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Por Verônica Pragana - Asacom

A chegada da água valoriza a escola e toda a comunidade escolar se sentem valorizada também | Foto: Ana Lira/Arquivo: Asacom

O programa Cisternas nas Escolas da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) iniciou esta semana a terceira etapa na qual serão contempladas mais 1,5 mil escolas com a construção de cisternas de 52 mil litros e com um conjunto de formações que envolvem a comunidade escolar e os pedreiros. Desta vez a ação, financiada com recursos públicos do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), se dará em 153 municípios dos nove estados do Semiárido até o final do ano. Desde 2010, quando aconteceu o projeto piloto, até este ano, foram contempladas 6.250 escolas do campo.

O acesso à água proporcionado pela cisterna é só a ponta do iceberg dos impactos que essa ação provoca no campo. Ao levar essa tecnologia para o ambiente escolar, o programa alia a proposta da convivência com o Semiárido com outra proposta transformadora - a da educação contextualizada ou educação do campo. Assim como integra pais, agentes de saúde e outros atores sociais presentes na comunidade e proporciona às crianças o aprendizado dos conhecimentos tradicionais que fazem parte de suas comunidades. Esse programa também envolve a gestão municipal na execução da ação.

“Toda dinâmica do projeto é inovadora, traz um olhar diferenciado para os gestores municipais e também consegue aproximar a escola da comunidade e a comunidade da escola”, destaca Wanderson Mulato, educador da Aagra e da Rede de Educação Contextualizada do Agreste e Semiárido (Recasa), que atuam em Alagoas na execução do programa. A Recasa atua há dez anos no estado na perspectiva de levar a proposta da educação contextualizada para o campo, através da formação continuada dos educadores do campo e de proposição de políticas públicas junto à gestão municipal.

“É comum as escolas desenvolverem algumas ações voltadas à educação no campo como iniciativas pontuais e um dos grandes méritos das formações previstas no Cisternas nas Escolas é transformar essas ações em prática pedagógica a partir de uma cisterna. Através do tema ‘água na escola’, a gente transforma a metodologia em uma prática cotidiana”, conta Wanderson.

Professora Fátima e seus alunos | Foto: Divulgação

No Alto Sertão da Paraíba, o programa reforçou as experiências de educação contextualizada existentes em alguns municípios. “A gente tem uma experiência em São Bentinho. Na comunidade Forquilha, a professora Fátima, que vem dos movimentos da ASA, foi da comissão municipal e na sua comunidade tem muitas iniciativas de convivência com o Semiárido, como entreposto de mel e casa de semente, traz todo esse conhecimento pra sala de aula”, anuncia Aparecida Ferreira que trabalha com Antonione no STR de Aparecida. Na escola, a professora Fátima criou um banco de sementes, reavivou o viveiro de mudas, faz atividades com os pais, e vive levando os educandos para realizar atividades no quintal.

A partir da metodologia da Educação Contextualizada, Fátima passou a lidar com a construção do conhecimento de outra maneira. “Ela desenvolveu uma habilidade de trabalhar com turma multiseriada, diferente das demais professoras que demonstram dificuldade em aplicar a metodologia difundida pela secretaria municipal para ensinar a crianças de várias séries”, atesta Aparecida.

Transformação para além dos muros – Na Bahia, o MOC, uma organização da ASA que trabalha com a educação contextualizada há 20 anos, executou o programa em dois territórios, o do Sisal e da Bacia do Jacuípe. Em algumas comunidades, o Cisternas nas Escolas foi a primeira ação realizada na perspectiva da convivência com o Semiárido. “O programa provoca um movimento muito grande de despertar para a cidadania a e para o acesso aos direitos”, conta Bernadete Carneiro, técnica educacional do MOC. Ela acrescenta que, nas reuniões com os pais, a equipe sempre problematizava: “As cisternas nas escolas chegaram por quê? Foi presente do governo? Não! Foi direito, mas direito que você luta [para conquistá-lo]”.

Envolvendo os pais na vida escolar, a atuação sistêmica do Cisternas nas Escolas promove melhorias até onde não é seu foco direto na escola. “O Cisterna nas Escolas não veio com o objetivo de consertar o telhado, de tirar o morcego, o coco de passarinho, veio com o objetivo de garantir o direito à água e uma educação contextualizada, mas isso também é da educação contextualizada. Os telhados foram reformados com o apoio da comunidade, ela se sentindo parte disso”, conta Bernadete.

Educação do Campo como política pública – Outro legado do programa reconhecido por quem está no campo executando sua ação é qualificar a atuação de professores e professoras e outros atores para conseguir a aprovação de leis municipais que garantam a proposta da educação do campo como políticas públicas.

Em São Bentinho (PB), a experiência da escola na comunidade Forquilha inspira o município a adotar a metodologia da educação contextualizada | Foto: Divulgação

São diversos os municípios em todo o Semiárido brasileiro que estão em processo de construção de políticas públicas que garantam uma educação de qualidade no campo e outros tantos que já passaram por esta fase com êxito. Na região de atuação do STR de Aparecida, os municípios de Bonito de Santa Fé, São José de Piranhas e São Bentinho estão lutando para inserir a proposta político-pedagógica da Educação do Campo nos currículos das escolas.

Na Bahia, em 12 municípios acompanhados pelo MOC, a lei já existe. “Em Riachão e Monte Santo estávamos tentando há muito tempo uma lei e o Cisternas nas Escolas impulsionou a ser aprovado. “Quando terminaram as etapas do programa, os atores envolvidos tiraram como encaminhamento assinar a lei da Educação do Campo. Assim, outra gestão que chegasse continuaria com esse processo de formação dos educadores no município. Esse foi um ganho muito grande para as pessoas destes municípios e para nós”, atesta Bernadete que diz não ter palavras para falar o que é o Cisternas nas Escolas.

Na experiência da Recasa, a aproximação com o programa fortaleceu o diálogo da rede com as secretárias municipais de educação. “Antes do programa, ora a rede conseguia dialogar com a gestão municipal e ora acontecia um ruído nesta parceria por conta da mudança na gestão, na secretaria, na direção da escola. O Cisternas nas Escolas deu visibilidade a esta metodologia e impulsionou a parceria direta com a gestão municipal, com a secretaria de educação. Algumas escolas que eram parceiras da rede nesta luta pela educação do campo foram exemplo para que outras escolas, através do Cisternas nas Escolas, pudessem também desenvolver estas práticas pedagógicas”, conta Wanderson.