Manejo da Caatinga
20.04.2017
“A perda da capacidade de produzir água aumenta o estado de miséria”

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Por Elka Macedo - Asacom

Os mananciais de água doce do Semiárido estão se extinguindo devido, entre outras coisas, à derrubada da mata nativa e das matas ciliares | Foto: Ana Lira

Esta foi a afirmação de Genival Barros Júnior, professor Doutor em engenharia agrícola, associado da UFRPE/UAST/NEPPAS; membro da Câmara Técnica do Comitê da Bacia (COB) do PAJEÚ e do Grupo Fé e Política/Diocese de Afogados da Ingazeira, em entrevista concedida à Assessoria de Comunicação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), por ocasião do Dia Mundial da Terra, que é celebrado no dia 22 de abril.

Em sua fala, o professor e pesquisador em meio ambiente destaca como a devastação dos biomas Caatinga e Cerrado ameaçam a vida das pessoas e comprometem o bem-estar das famílias camponesas que habitam a região Semiárida. Genival relaciona a devastação da mata nativa à falta de produção de água, empobrecimento do solo, e escassez de alimentos.

O tema da preservação dos biomas ganhou um forte apoio da Igreja Católica, cuja Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema “Fraternidade: Biomas brasileiros e a defesa da vida”, visando alertar sobre a necessidade de cuidar e proteger a natureza e comprometer autoridades públicas com a responsabilidade sobre o meio ambiente. Confira abaixo a entrevista na integra:           

Asacom - Dentre os biomas brasileiros mais ameaçados pelo desmatamento estão a Caatinga e o Cerrado, e são esses biomas que impactam diretamente no curso das águas que abastecem o Semiárido. De que modo essa devastação afeta a vida das famílias da região?

Genival Barros - Dados de 2008 do Ministério do Meio Ambiente dão conta de que na região semiárida do Brasil desmatava-se em média, por ano, 2.763 km2 de Mata de Caatinga! Este fato é preocupante e deve preocupar a todos e todas, pois a destruição contínua das matas nativas gera consequências que impactam diretamente sobre as nossas reservas de águas subterrâneas, as quais são dependentes da vegetação para captar e conseguir armazenar a água que cai das chuvas no interior do solo, água esta que vai manter “vivos” os poços tubulares e artesianos, os olhos d’água, as nascentes, os pequenos córregos e riachos que alimentam permanentemente.

Diante deste quadro progressivo e preocupante de devastação da cobertura vegetal das terras e, em época onde a mídia televisiva e de internet não se cansam de mencionar o efeito do aquecimento global provocado pela onda incontrolável de consumo de bens industrializados, dias ainda mais difíceis se anunciam com efeito devastador sobre a produção de alimentos, sejam eles de origem vegetal ou animal, o que torna ainda mais vulnerável a soberania alimentar de uma população carente e que, ao contrário do que se mostrava ao longo dos últimos anos, corre o risco de se tornar novamente refém de politicas assistencialistas para se manter viva.

 

Os biomas Caatinga e Cerrado estão em estado de grande ameaça com parte de sua flora e fauna já extintas | Foto: Adriana Oliveira

Asacom - De que modo a produção agropecuária extensiva e as grandes obras interferem na preservação da caatinga, do solo e da água na região?

Genival Barros - Intensas movimentações sobre a terra exigem cuidados especiais de manejo do próprio solo, da água, da matéria orgânica e dos cultivos, de forma a garantir a estabilidade, sobrevivência e utilização sustentável das áreas. É preciso sempre tomar decisões com extrema responsabilidade na hora de decidir por descobrir e/ou tombar a terra em regiões de clima Semiárido em função das altas temperaturas que podem ser alcançadas na superfície do solo.

Também é importante saber que, além de receber e encaminhar água para o interior do solo, toda a vegetação da Mata de Caatinga acumula uma grande quantidade de água no seu interior, assumindo outra função importantíssima nas regiões de clima quente, como é o caso do Semiárido, a de regular a temperatura e proteger o solo dos elevados piques de calor. Além do mais, as raízes das plantas ao se entrelaçarem no solo não só favorecerem a infiltração da água como também impedem que o solo se desprenda e seja levado pela corrente de água.

Os sistemas agrícolas introduzidos ao longo dos anos, em substituição aos sistemas ecológicos primitivos, provocam impactos negativos ao ambiente e a sua sustentabilidade, principalmente na capacidade dos solos de guardar água. O surgimento de problemas físicos como uma baixa capacidade de infiltração e presença de camadas duras no interior do solo, bem como a exposição de horizontes com elevada acidez, são fatos que, isoladamente ou em conjunto, podem interferir no processo de “revegetação” de áreas já degradadas, quer seja por ação direta sobre a planta ou indiretamente pela menor eficiência na absorção dos fosfatos, por exemplo.

A perda da capacidade de “produzir água” e a deterioração/degradação dos solos enfraquece as cadeias produtivas da agropecuária, empobrecendo as pessoas e o Estado, aumentando o “estado de miséria” e ameaçando a segurança alimentar das famílias! No Semiárido de solos rasos, pedregosos e com baixa capacidade de armazenar água, as ações de degradação têm levado ao surgimento cada vez maior de riachos “secos”, tornando ainda mais escassa a água em quantidade e qualidade para a população.

 

Asacom - Hoje, pelo menos três grandes obras têm desencadeado o desmatamento e a expulsão de famílias agricultoras do Semiárido (Transnordestina, Transposição do Rio São Francisco e Matopiba), mas o que se vende é a imagem do desenvolvimento da região. Desenvolvimento para quem?

Genival Barros - Por qualquer motivo, seja ele ligado ao setor produtivo ou ao de serviços ou de infraestrutura, se coloca abaixo rapidamente tudo aquilo que a natureza levou milhares de anos para estabelecer, destruindo-se uma teia complexa de arranjos vivos que mantém o ciclo da vida pulsando no planeta.

Obras como a Transnordestina, a Transposição do Rio São Francisco e a expansão das fronteiras agrícolas nos extremos dos Estados que compõem o MATOPIBA trazem junto um legado de destruição cujo impacto na vida dos mais pobres nestas regiões são e serão sempre acachapados pelos interesses do mercado de capital e que ainda imperam sobre a decisão dos seres que aqui vivem, governam e que ainda são adeptos da máxima de que: o que vale é aquilo que proporciona lucro, independente do custo que isto trará para o futuro da vida, não só das pessoas, mas de toda a biodiversidade local.

A meta, não importando os meios, é o lucro de uma atividade econômica, mesmo que ela não traga na prática mudança alguma na vida de milhares de pessoas que ali vivem e produzem.

 

Asacom - No cenário de perdas de direitos que se estende desde o afastamento da presidente eleita em abril do ano passado, temos mais uma perda que impacta fortemente nas ações de preservação das florestas no Brasil: a recente redução de 50% da verba destinada as ações do Ministério do Meio Ambiente. Com um governo “despreocupado” com o meio ambiente o que podemos esperar? 

Genival Barros - Não podemos esperar mesmo nada de um Governo que se ampara num grupo de políticos descomprometidos com as questões sociais que nós mesmos elegemos, e que propôs e “congelou” por duas décadas o orçamento público de um País que arrecada trilhões de reais a cada ano apenas de tributos federais e que, mesmo que continue crescendo em arrecadação, vai ficar sem investir/destinar os recursos de suas riquezas para áreas básicas para vida de seu povo como saúde e educação. O que pode ser mais grave para uma nação de que ver os seus impostos serem arrecadados em escala crescente e perceber que setores básicos de sua vida estão ficando estagnados, sem perspectivas de melhora alguma para sua qualidade de vida. Que sentido tem a arrecadação de tributos se não for para melhorar a vida coletiva de um povo?

Se nesses aspectos mais básicos a questão é alarmante, imagine para a questão do cuidado com o ambiente, o que vai sobrar? Nada. E o pior é que isto tem um efeito ainda mais devastador sobre questões como a produção de água e alimentos, bem como da manutenção da vida nas regiões mais fragilizadas e sensíveis como é o caso da grande área ocupada por brasileiros dentro do bioma caatinga.

Isso tudo está indo na contramão do que é imperativo, pois definitivamente não existe mais tempo para espera, diante da gravidade do quadro de degradação e esgotamento de nossas reservas de mata de caatinga, consequentemente das reservas hídricas subterrâneas e a nossa tolerância para novos desmatamentos deve ser radicalmente “zero”, bem como as nossas ações de enfrentamento contra os desmatamentos criminosos devem ser ainda mais duras, assim como as nossas determinações e investimentos devem buscar restabelecer a cobertura vegetal da mata de caatinga. Por fim, é importante dizer ainda que a água circula em função da vida. Subtraindo-se a vida, fazemos desaparecer os requisitos mínimos para a circulação da água, ou seja, retiremos as árvores, e a água nas nascestes diminuirá até desaparecer.