Nenhum Direito a Menos
03.03.2017 BA
“Com a mobilização comunitária podemos usar o voto de outra forma”
Lideranças comunitárias do Semiárido baiano refletem sobre ameaças aos direitos conquistados nos últimos anos e reafirmam a intenção de mobilizar as comunidades para resistir aos retrocessos

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Por Verônica Pragana - Asacom

“De primeiro, a gente vivia muito com a fome. Quem comia bem, vestia bem, era o rico. Hoje, vivemos como o rico. Até melhor. Depende da gente pra viver melhor ainda. O voto faz parte da vida da gente. Temos que escolher em que votar. Se escolhemos errado, os prejudicados somos nós”, dispara Vanuza, agricultora familiar da comunidade rural de Baliza no município de Baixa Grande. Enquanto falava em alta voz, um grupo de agricultores e agricultoras, lideranças comunitárias de sete municípios baianos, permanecia num silêncio atento rompido por salva de palmas de apoio ao depoimento.

Enquanto o Brasil se preparava para o Carnaval, cerca de 60 pessoas passaram um dia e meio (23 e 24) reunidas discutindo a situação do campo a partir das medidas do Governo Temer que negligenciam a população pobre, como as famílias ali representadas. O encontro foi promovido pela Cáritas Regional Nordeste 3 e as Cáritas Diocesanas que atuam na região com a parceria da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de sindicatos rurais.

“Até o momento, o governo Temer não assinou nenhum novo termo de parceria com a ASA. Tudo o que estamos executando com recursos vindos do governo federal são referentes a projetos assinados em 2014 e 2015. É um absurdo um país como o nosso depender de recursos da cooperação internacional”, dispara Cleusa Alves, assessora da Cáritas Nordeste 3.

“Em Piritiba, o povo está acuado”, disse Nivaldo Cunha, vereador da cidade e liderança sindical. “Em Lajedinho, não há rio, nem barragens. As melhores terras estão nas mãos de poucos, dos fazendeiros que têm desmatado a vegetação. Quando chove, a terra fértil é removida do solo porque não cobertura vegetal”, disse outro participante. “Neste governo de Temer, o pequeno não é prioridade. É um povo que é excluído da política governamental”, atesta Cláudio Dourado, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

“Neste cenário, como ficamos? Vamos ficar parados, só rezando? Vamos ficar só agradecendo a Deus porque recebemos as nossas cisternas?”, provoca Roberto Malvezzi, conhecido como Gogó, uma pessoa de grande contribuição aos movimentos sociais do campo e à igreja católica na Bahia, um dos facilitadores do encontro.

"Depende da gente pra viver melhor ainda. O voto faz parte da vida da gente. Se escolhemos errado, os prejudicados somos nós”, diz Vanuza (esquerda) | Fotos: Verônica Pragana/Asacom

O passo seguinte do Encontro foi uma conversa em subgrupos: elencar os avanços e dificuldades vivenciadas pelas famílias agricultoras nos últimos anos. A lista dos avanços foi bem extensa e apontou impactos diretos na melhoria da qualidade de vida das famílias: acesso à água potável, melhor utilização da água, menos doenças transmitidas pela água, ganho de tempo especialmente para as mulheres que deixaram de percorrer distâncias equilibrando baldes, fortalecimento dos vínculos familiares, permanência no campo, acesso ao crédito, hortaliças nos pratos das famílias e nas merendas escolares, luz elétrica em casa, consciência da conservação da natureza, preservação das sementes crioulas que passaram a resgatar, entre outros avanços.

Já a lista das dificuldades encontradas no campo, muitas dizem respeito a uma estrutura de desigualdade social e a um modelo de desenvolvimento que destrói o equilíbrio da natureza, acelerando o processo de mudanças climáticas. A falta de apoio dos gestores com relação às políticas de convivência, a concentração de terras, a poluição do meio ambiente pelo uso de agrotóxicos, a erosão provocada pelo desmatamento e o pouco investimento dos governantes na agricultura familiar foram alguns pontos elencados.

Cada vez mais a conversa se aproximava da realidade das pessoas que vivem no campo e as provocações convidavam todos para agir em seus espaços de vida. “A gente tem que dizer para as comunidades que as coisas mudaram porque veio o golpe e quem está aí [no poder] não tem interesse em dar continuidade às ações de convivência com o Semiárido”, estimulava Gogó. “Vamos pagar a vida toda a aposentadoria para morrer? Tem sentido se aposentar aos 65 anos quando a expectativa de vida é aos 70? Vamos trabalhar até morrer?”

Orientações dos participantes para as populações e movimentos do campo enfrentar e resistir à força conservadora e elitista que avança no Brasil.

E, de formas diferentes, os participantes reagiam demonstrando vontade e intenção de mobilizar outras tantas pessoas para resistir aos retrocessos em pauta no Congresso Federal e no Governo Temer. “Como comunidades, não podemos parar. Se não tivermos unidos, não mantemos as discussões, precisamos ter conhecimentos e informações para alcançar nossos objetivos”, disse o porta-voz de um subgrupo. “É importante voltar às reuniões comunitárias. Mas como motivamos as famílias para participar das formações?”, problematizou outra pessoa a partir da conversa em outro subgrupo.

O último momento do encontro foi construir orientações para a ação dos participantes nas suas comunidades, assim como da atuação da Cáritas e da rede ASA. Entre as orientações mais recorrentes, destacava-se a formação continuada das famílias agricultoras, a motivação de novas lideranças, a necessidade de repensar as metodologias de mobilização das famílias e a multiplicação de saberes e conhecimentos.

Estimulado pelos encaminhamentos, Cláudio Dourado, da CPT, pede a fala: “Se a gente entra na guerra usando a mesma arma do inimigo, já perdemos a luta porque, ao adquiri-la, fortalecemos quem queremos combater. Qual a nossa arma então? A mobilização comunitária, com ela, podemos usar a arma do voto de outra maneira”, disse ele alinhavando as orientações com o depoimento que Vanuza sabiamente deu algumas horas antes.