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15.12.2016 PB
“A juventude tem assumido a luta política no nosso território”, afirmam lideranças do Polo da Borborema durante encontro de balanço

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Por ASA Paraíba

Representantes de 14 municípios do Polo da Borborema participaram de reunião de avaliação das ações do ano | Foto: AS-PTA

Cerca de 60 representantes dos 14 municípios do Polo da Borborema se reuniram para um balanço das ações do ano, nesta terça-feira (14), no Convento Ipuarana, em Lagoa Seca (PB). A programação teve início com um cochicho entre os participantes, divididos por município, que deveriam exprimir em uma palavra o que significou o ano de 2016. “Conquistas”, “retrocessos”, “compromisso”, “desafios”, “superação”, “resistência”, “lutas” e “vitória” foram algumas das palavras mais lembradas.

 

O ano em que o Polo da Borborema completa 20 anos de atuação, foi marcado pela presença forte da juventude: “o conhecimento só tem sentido quando partilhado, por isso agora chamamos os jovens aqui porque é essa juventude que tem assumido a luta política no nosso território”, afirmou Maria Leônia Soares, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Massaranduba e da coordenação do Polo da Borborema.

Em seguida, Nelson Anacleto, da coordenação do Polo da Borborema e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca, e Marcelo Galassi, da coordenação da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, organização que assessora o Polo, fizeram uma análise de conjuntura, levando em consideração o cenário político brasileiro do último ano. Em suas colocações, Nelson lembrou o ano intenso de mobilizações, que no entanto, não foram capazes de reverter o impeachment.

A liderança ressaltou as ameaças que atingem os trabalhadores e as trabalhadoras rurais, a exemplo da proposta de Reforma da Previdência em discussão no Parlamento: “nós, trabalhadores rurais, estamos sendo brutalmente atingidos. O que estamos vendo é nada menos que o começo do fim do benefício previdenciário rural. Essa proposta acaba com a figura do segurado especial, que somos nós, que comprovamos nossa condição de agricultor com a experiência de trabalho para passar a comprovar com a contribuição financeira. Imagine o que é para um agricultor, tirar do pouco que ganha, para fazer essa contribuição. A carência para comprovação deixa de ser cumulativa e passa a ser de 25 anos consecutivos, antes eram 15 anos não consecutivos. É uma situação onde você vai ver agricultores com 70 anos, sem terem como se aposentar. Também o fim da diferenciação da idade mínima entre o trabalhador e a trabalhadora rural. Na prática essa reforma será o fim dos benefícios”, alertou a liderança.

Marcelo Galassi lembrou de situações onde os movimentos sociais foram desafiados a reagir em defesa da democracia, como na época do Golpe Militar de 1964: “naquela época não se podia ter sindicatos, não era possível se reunir, mas se podia rezar. Então, foi justamente dentro das igrejas que se construiu a resistência”, disse. Segundo ele, a prioridade das forças que dominam hoje o congresso é a de promover uma reforma do Estado. “Eles usaram a velha estratégia de trazer o tema da bandeira do combate à corrupção. E na história sempre foi assim, investiram contra a classe trabalhadora retirando direitos. No fundo eles estão preocupados em fazer as reformas da Previdência, tributária e as privatizações. Não vamos mais ter políticas de universalização, por isso precisamos fazer do pouco que tivermos a nossa trincheira de luta”.

Após as provocações dos dois debatedores, foi aberto um espaço para interações. Adriana Galvão Freire, assessora técnica da AS-PTA, ressaltou o caráter machista e misógino do golpe e seus atores, o que atinge de maneira especial as mulheres. “Quero aqui chamar a atenção de que o fato da mulher trabalhadora rural se aposentar aos 55 anos é um reconhecimento do seu trabalho doméstico e à sua contribuição na agricultura. A mulher que está lá no roçado, está dentro de casa, cuidando dos filhos. Então quando se perguntava ‘quem vai pagar este pato?’, nós estamos vendo que em primeiro lugar são as mulheres as mais atingidas”, disse.

Concluída a rodada de debate, Roselita Victor, liderança do município de Remígio e da coordenação do Polo da Borborema, fez uma apresentação dos principais resultados do conjunto do trabalho das comissões temáticas (recursos hídricos, sementes, infância e juventude, cultivos agroflorestais, saúde e alimentação, criação animal e comunicação).

Roselita destacou o fortalecimento e a ampliação dos bancos comunitários de sementes no território e a Campanha “Não planto transgênicos para não apagar a minha história”, a continuidade dos estoques de forragem animal e a parceria com o curso de veterinária da UFPB, o trabalho de beneficiamento de alimentos comercializados nas feiras e o melhoramento das cozinhas, da articulação entre os temas da arborização e da apicultura com protagonismo da juventude, da aproximação com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do enfrentamento aos casos de violência contra a mulher no último ano, entre outros avanços.

No período da tarde, houve o lançamento da linha “Do Roçado” – produtos da agricultura familiar da Borborema. Criada para aperfeiçoar o acondicionamento e a apresentação dos produtos comercializados na rede de 12 feiras agroecológicas existentes na região do Polo. São sacos plásticos, rótulos, adesivos e embalagens padronizados, que contém informações como data de validade e fabricação e a própria identificação dos produtos. Coube à agricultora e coordenadora da EcoBorborema, associação que reúne os feirantes do Polo da Borborema, Anilda Batista Fernandes, do Assentamento Oziel Pereira, em Remígio, fazer essa apresentação.

Anilda falou sobre o surgimento da marca, do processo de criação e da importância desse feito. “Chegou o dia de partilhar com vocês a nossa marca. A gente sabe que estes produtos sempre estiveram nas feiras, mas a partir de hoje estarão com uma cara nova, a gente sabe o quanto isso vai valorizar cada produto. Após muitas reuniões e discussões, esse nome surgiu da ideia de um jovem de Alagoa Nova e acho muito significativo: é do roçado que tiramos o nosso alimento, o nosso sustento. Essa marca é a nossa cara”, avaliou.

Em seguida, foi exibido o vídeo “Sementes do Saber: Juventude Camponesa na Construção do Futuro da Agricultura Familiar na Borborema” que cruza histórias de vida de diversos jovens rurais da região da Borborema. O vídeo é uma síntese do diagnóstico realizado pela Comissão Regional de Juventude do Polo da Borborema para compreender a realidade dessa juventude e o que é determinante para a sua permanência ou não no campo.

Mônica Lourenço, de 18 anos, do Assentamento Caiana, em Massaranduba, foi uma das personagens do vídeo e fez uma provocação às lideranças sindicais presentes ao encontro: “Os jovens que estão aqui sabem que o sindicato os defendem, que o sindicato também é a sua casa, mas quantos dos que estão lá na nossa base, que estão fora do nosso trabalho, sabem disso? Será que eles sabem que aos 16 anos podem se filiar? Que podem até pleitear um cargo lá? Então eu trago essa provocação para vocês se perguntarem: qual o papel da juventude dentro do sindicato de vocês?”.

“Nós temos um movimento sindical que precisa ser mudado. Ainda existe muito assistencialismo. E não existe renovação sem a juventude. Nós sindicalistas ainda não demos o devido valor à juventude, temos medo de dividir o poder”, criticou Manoel de Oliveira, conhecido como “Nequinho” presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Nova e da Coordenação do Polo da Borborema.

Finalizando o encontro, foi feito um momento de socialização do processo de construção da VIII Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que em 2017 será no município de Alagoa Nova. “Estamos muito felizes em receber a Marcha, sabemos que é muito trabalho e vamos encontrar muitas dificuldades, mas somos guerreiras e não temos medo de trabalho. Alagoa Nova está de braços abertos para receber os outros municípios”, disse Daniele Duarte Monteiro, liderança do sindicato rural e do Sítio São Tomé de baixo.

Com a explosão do número de casos de estupros na região (já são mais de 40 entre estupros consumados e tentativas), o tema que dará o tom da marcha em 2017 será o enfrentamento à violência e à cultura do estupro. “Se a gente já tinha motivos para marchar, agora é que vamos continuar marchando, contra a cultura do estupro”, afirmou Maria Leônia.