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24.09.2016
Semiárido deve sofrer processo de desertificação
Jornal - Folha de Pernambuco
Grave cenário é traçado por pesquisa que prevê estações mais favoráveis à falta de chuvas na região

Por Paulo Trigueiro

Durante os últimos cin­co anos, o semiárido nordestino vem enfrentando a pior seca da história. Em Pernambuco, há 1 milhão de pessoas vivendo a falta de água no Sertão e 1,8 milhão no Agreste. A falta de chuva está se intensificando e, em algumas décadas, essa região deve vivenciar um sôfrego processo de desertificação - quando o solo perde sua capacidade produtiva. O cenário foi previsto por uma pesquisa publicada essa semana na revista científica alemã Theoretical and Applied Climatology.

De acordo com o estudo, a previsão é de que haverá, no futuro, mais estações favoráveis à ocorrência de secas que períodos chuvosos. “Isso está ligado a fatores globais relacionados à emissão de gases de efeito estufa. Mas à ela se alia o uso prejudicial do solo com práticas agrícolas nocivas ou com sua cobertura, o que acelera o processo de desertificação”, explicou um dos três doutores em meteorologia que realizaram o estudo, Roger Torres.

A seca atual é uma amostra do que está por vir. Doutor em meteorologia, Ranyere Nóbrega avalia que a perda foi tanta que seria preciso mais de um triênio com chuvas anuais acima da média para repor. “Seria um cenário razoável para a característica de seca do semiárido.” O prognóstico para 2017 é de quebra de estiagem pela ausência dos dois sistemas atmosféricos ligados à seca no Nordeste, o El Niño e o Dipolo do Atlântico. Mas ainda é pouco. Barragens estão em colapso e o Rio São Francisco nunca esteve tão seco.

Até então, as consequências sociais foram mínimas, dadas as proporções catastróficas da estiagem. Não houve saques nem migração em massa, como em todas as anteriores. Para os especialistas, as políticas públicas de proteção social estão por trás do amortecimento dos danos à população da região. Contudo, a atual tendência do Governo Federal de diminuir a máquina do Estado para conter a crise econômica pode resultar em sérias consequências sociais.

“A Aposentadoria Rural, o Fome Zero, o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos e o Seguro Safra são exemplos de políticas públicas que influenciaram o semiárido a ser capaz de passar por uma seca tão catastrófica sem maiores consequências sociais como os saques ocorridos em 1998 ou o êxodo rural de secas passadas. E isso não é uma hipótese”, explicou o pós-doutor em geografia humana pela universidade de Essex, na Inglaterra, Caio Maciel.

A evolução da tecnologia na coleta e armazenamento de água, avaliam os pesquisadores, também teve extrema importância. Cisternas de calçadão, barreiras trincheiras, pequenos açudes e barragens sucessivas foram algumas das estratégias. “Mas, se essa seca perdurar, talvez isso não seja o suficiente para segurar as pessoas em suas cidades. A própria transposição do São Francisco não resolverá, já que não atende todas as cidades e o próprio rio sente a ausência das chuvas”, explica Maciel.

O pesquisador aponta que a ampliação necessária para segurar secas mais intensas envolve a questão tecnológica e o incentivo ao homem do campo, além do cuidado específico ao meio ambiente, com a agroecologia. “Isso garantiria mais resiliência e diminuiria a vulnerabilidade da população”, opinou.

Para o doutor em geografia humana pela Universidade de Sorbonne, Jan Bitoun, além de garantir proteção social e abastecimento de água, há ainda a necessidade de olhar de perto as experiências que não pararam em decorrência da seca prolongada. “Nelas se pode investir, porque já se sabe que são seguras, como a produção de mel em Araripina. Havendo dinheiro, não há fome, porque a comida vem de outros lugares para ser comercializada”, comentou Bitoun.

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