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29.08.2016
Aliança contra a seca e a miséria
Site - Estado de Minas
Diante das adversidades do Norte de Minas, mulheres criam grupos para aproveitar o que a terra oferece. Frutos do cerrado e rejeitos da lavoura são transformados em renda e esperança

Por Luiz Ribeiro

Montes Claros/Jaíba/Januária/Coração de Jesus/Claro dos Poções/São João da Ponte – Cuidar da casa, dos filhos, da comida, da roupa... e também dos negócios. É cada vez maior o número de mulheres empreendedoras. E isso não se verifica somente com aquelas que se tornaram executivas ou donas de grandes negócios. Existem muitas mulheres que, mesmo enfrentando a pobreza e outras dificuldades, se uniram e criaram o próprio jeito de ganhar a vida, transformando em fonte de renda os recursos disponíveis de onde labutam, como o pequi, o buriti e outros “frutos do mato”. Os alimentos e artesanatos produzidos por elas chegam até outros estados, vendidos em eventos, como a Feira de Agricultura Familiar, Agriminas, realizada recentemente em Belo Horizonte.

Um bom exemplo de esforço e dedicação é o grupo Mulheres do Cerrado, cujas integrantes melhoraram de vida com o aproveitamento de recursos naturais, superando a seca no Norte de Minas. Na mesma região existem as “mulheres de fibra”, que retiram o sustento do artesanato das fibras (folhas) de bananeira que eram descartadas pelos irrigantes do Projeto Jaíba. Outro grupo, o “Essências do cerrado”, sobrevive do aproveitamento de ervas medicinais, elevando a renda em Claro dos Poções, município cuja renda per capita é de R$ 337,01, uma das mais baixas do estado.

Durante três meses, o Estado de Minas pesquisou e documentou a vida dessas lutadoras de mãos calejadas, que encontraram no associativismo e no empreendedorismo uma forma de organização e de melhoria de vida, provando que realmente a união faz a força. Foram diversas visitas in loco e dezenas de entrevistas, a fim de conhecer de forma detalhada como é a vida de superação dessas mulheres. As histórias dessas heroínas serão narradas na série de reportagens Mulheres de Fibra, que começa ser publicada a partir de hoje. A cooperação é tão antiga quanto a humanidade. Mas, neste caso, ao associativismo se somam a garra e a determinação. Mulheres antes vistas apenas pelo olhar do sofrimento se transformam em verdadeiras vencedoras.

O cenário do município de Jaíba, de 33,8 mil habitantes, no Norte de Minas, é de um paradoxo absoluto: ao mesmo tempo que conta com a riqueza da produção agrícola do Projeto Jaíba, maior perímetro irrigado da América Latina, a grande maioria de sua população permanece em condições de pobreza. A banana é um dos carros-chefe do Jaíba, com área plantada de 2,3 mil hectares e produção anual de 16,54 mil toneladas, segundo a Companhia de Desenvolvimento do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), responsável pela administração do projeto.

A partir disso, a cada safra uma quantidade enorme de fibra dos pés de banana era totalmente descartada. Com a criação do grupo Mulheres de Fibra, a palha de bananeira, antes sem serventia para os irrigantes, passou a ter grande valor nas mãos dessas empreendedoras, sendo transformada em peças de artesanato como cestos, fruteiras, cadeiras, lixeiras, baús (pequenos, médios e grandes), vasos e outros objetos de decoração. O grupo, criado há uma década, carrega no próprio nome a marca da luta de suas 25 componentes: Mulheres de Fibra.

“Muitas mulheres daqui estavam desempregadas e a gente precisava criar alguma coisa para gerar renda”, afirma Etelvina Rosa de Melo, de 66 anos, ao contar como surgiu o grupo Mulheres de Fibra, do qual ela foi uma das pioneiras. Após 10 anos, Etelvina continua como uma das líderes do projeto, que funciona em um prédio cedido pela Prefeitura de Jaíba. Além do espaço dedicado aos trabalhos manuais das mulheres, o local conta com uma espécie de “show-room”, onde as peças de artesanato são expostas para a venda. Boa parte dos produtos é comercializada em feiras em outras cidades, entre elas BH.

Junto com Etelvina, outra idealizadora do grupo foi Dilma Alves Santos Barbosa, de 56, atual presidente da associação comunitária que administra o projeto. “Morava na área de produção do Projeto Jaíba e percebi que a palha de bananeira não era aproveitada. Aí tive a ideia de fazer o artesanato aproveitando essa matéria-prima”, explica Dilma. Etelvina ressalta que, além de gerar renda, o projeto de aproveitamento da fibra de banana contribuiu para ocupar o tempo e resgatar a autoestima de mulheres de Jaíba que viviam desiludidas, sem perspectiva de melhoria de vida. Segundo ela, várias mulheres que estavam em depressão, encontraram no artesanato uma maneira de resgate de suas vidas.

Resgate da autoestima - Helena Alves Silva, de 56, é uma das “mulheres de fibra” que têm história para contar. E de superação. Helena relata que o marido dela, Cícero Antonio da Silva, era caminhoneiro. Há oito anos, ele perdeu o braço esquerdo em um acidente e ficou impedido de trabalhar. Ela disse que ficou desamparada sem saber como poderia manter a casa e os três filhos, pois não tinha emprego. “Pedi muito a Deus para me ajudar e passei a sobreviver da renda do artesanato”, confessa a mulher, que se aprimorou na habilidade de transformar a fibra dos “troncos” de bananeira em vasos, baús, fruteiras e outras peças. Também aprendeu a fazer licor de banana.

Outra que conseguiu melhorar a renda (e a vida) por meio do grupo é Joaquina Souza da Cruz, de 47, mãe de três filhos. “Depois que comecei a participar desse trabalho, o relacionamento com os meus filhos melhorou lá em casa. Antes, era muito difícil. Faltava muita coisa”, conta. Ana Paula Silva Bispo Souza, de 32, começou a participar das atividades de projeto das Mulheres de Fibra há três anos, com um quadro depressivo. “Vivia em casa sozinha, sem ter o que fazer. Me isolava e chorava muito. Tinha a autoestima muito baixa. Aqui, me sinto útil”, confessa Ana Paula, que também aprendeu a fazer trabalho manual com crochê. Outra “resgatada” pelo grupo de mulheres é Maria José Barbosa, de 57, que entrou em depressão depois da morte de um dos seus filhos – o rapaz tinha 21 anos. “Vim para cá e aprendi muita coisa. As colegas tiveram muita paciência comigo. Hoje, estou recuperada”, revela Maria José, que, além do trabalho com as fibras de bananeira, aprendeu a fazer tapete de retalhos.

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