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24.03.2017
1817: O Estado que aprende a conviver com a seca
Revista - Algomais


Por Rafael Dantas

Uma grande seca que acometeu Pernambuco em 1816 foi mais um dos elementos que impulsionou a Revolução de 1817. Cerca de 20 anos antes, a então província já tinha sofrido com a maior estiagem do século 19. A memória do sofrimento passado e a inércia de Dom João VI com a nova escassez fervilharam entre a população e entre os senhores de engenho. Duzentos anos depois, vivemos nada menos que seis anos de seca severa, mas o resultado é muito diferente. Mesmo sem a inauguração da Transposição do São Francisco (projeto que foi mencionado pela primeira vez ainda por Dom Pedro II), o cenário não tem mortes, saques ou êxodo rural.

Na análise do pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), João Suassuna, em secas passadas não havia a menor estrutura para o nordestino, em especial os pequenos produtores. “Não tinha outra alternativa, a população tinha que sair da região, senão morria”. Ele data o período da mudança. “Isso aconteceu até pouco mais de 10 anos. Quando houve uma grande mudança que foi a inserção das tecnologias de convivência com o Semiárido, que começaram a circular e foram difundidas no meio rural. Essas tecnologias estão, sim, fixando o homem no campo, mesmo na época seca”, afirma o especialista.

Em 1999 é fundada em Pernambuco a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e lançado o programa Um Milhão de Cisternas (P1MC). As propostas só ganham força no ano de 2003, quando há um compromisso do Governo Federal de apostar na alternativa.

A marca de um milhão de cisternas (de 16 mil litros) foi atingida no Semiárido. Há uma estimativa da ASA de que sejam necessárias atualmente mais 350 mil para universalizar a estrutura na região. Além disso, outro desafio é construir também a chamada cisterna da “segunda água” (52 mil litros). Enquanto a primeira tem por meta o consumo humano, essa segunda permitirá ao homem do campo também fazer pequenos cultivos mesmo nos meses de estiagem.

“Estamos vivendo uma das grandes secas. Possivelmente em termos de duração a maior que todas as anteriores. Se essa mesma seca fosse há 30 anos estaríamos vivendo numa calamidade”, afirma Antônio Barbosa, coordenador do Programa P1+2 da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). Ele faz referência justamente ao período de falta de chuvas ocorrido de 1979 e 1983, quando morreram um milhão de pessoas. “Hoje, não vemos sequer migrações em peso ou saques. Hoje a população que vive no meio rural tem mais água que as pessoas que moram nas cidades do interior”.

Na análise de Barbosa, as raízes da indústria da seca estariam inclusive na Revolução de 1817, período em que a população se rebelou contra a insensibilidade dos portugueses em socorrer as vítimas da falta de chuvas. Como o movimento pernambucano foi muito forte, a Coroa portuguesa temeu. Tanto se amedrontou que após decretada a independência, na elaboração da primeira Constituição do Império, ficou registrado que em casos de calamidade, estiagens ou cheias, o Estado brasileiro precisaria intervir. “Quando isso foi definido, foi com base na experiência da seca de 1816. A partir de então a Coroa teve um nível de desconfiança muito grande, preocupada com o surgimento de algum movimento”, justifica Barbosa.

Nasce, então, a indústria da seca. “A partir disso, o governo entra para acudir os fazendeiros e não a população. São construídos os grandes açudes, os grandes reservatórios, sobretudo para salvar não as pessoas, mas o plantio”, recorda Barbosa.

Além da oferta da água pelas cisternas, outra mudança que garantiu a permanência do homem no interior foram os programas de distribuição de renda voltados para as famílias mais carentes. “Apesar da histórica promessa de Dom Pedro II de que ‘Venderia até a última joia da coroa, mas solucionaria o problema da seca no Nordeste’, dois séculos se passaram e o problema persiste. A grande diferença daquele tempo para os dias atuais, é que os programas de renda mínima, adotados no Brasil, permitem que as pessoas mais pobres tenham como se sustentar nesses tempos tão difíceis. Assim, diminui o clamor social, ainda que haja uma das situações mais duras do ponto de vista da seca”, destaca Roberto Tavares, presidente da Compesa.

Em paralelo ao trabalho da construção de cisternas pelo interior nordestino, o Governo Federal está prestes a inaugurar a Transposição do São Francisco (projeto que tem sido alvo de muitos elogios e críticas). Pelo Governo de Pernambuco, nos últimos 10 anos, houve um amplo investimento em ampliação da infraestrutura hídrica através da Compesa. “O presente é duro, mas nosso futuro de médio e longo prazo é extremamente promissor. Quando as obras que estão sendo tocadas estiverem concluídas, e muitas estarão prontas nos anos de 2017 e 2018, nosso Estado viverá tempos de prosperidade com relação à água. Teremos segurança hídrica para as gerações que vierem pelos próximos 200 anos… basta que cuidemos do meio ambiente e coloquemos o tema recursos hídricos na mais alta prioridade”, diz Tavares.

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